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Sinopse

Cruzeiro Seixas existe num labirinto onde todos os caminhos levam a Mário Cesariny. Subjugado por esta relação obsessiva, Cruzeiro Seixas não viveu, mas deixou documentos desse não viver: 95 anos de pintura e poesia à espera de um reconhecimento maior ao lado de outros autores surrealistas.

Crítica

O conceito de arte é tão volátil que transita com facilidade entre as mais diversas manifestações. É consenso, entretanto, que Arte se refira a um tipo de expressão ligada às potencialidades intelecto-emocionais que, por hora, somente o ser humano consegue explorar. Como resultado de expressões tão internas, imagina-se que tenha sido natural ao longo dos milênios que ela tenha se ligado à ideia de durabilidade, pois o ego individual e social não permitiria imaginar uma expressão que não exista para além de sua geração. Porém, pode ser efêmera, momentânea e capaz de se manifestar sob quase qualquer forma, como os próprios seres que a criaram. É por isso que, mesmo jamais aspirando a tal posição, uma simples troca de cartas entre amigos ou registros em forma de diário escritos em texto e desenhos, como os que mantinha o surrealista português que aqui dá título ao filme, podem ser classificados e estudados dentro desse conceito, como faz Cruzeiro Seixas: As Cartas do Rei Artur.

Dirigido pela própria assistente do artista, Cláudia Rita Oliveira, o documentário não consegue evitar uma adoração no modo como retrata as duas figuras em que se concentra, Seixas e Mário Cesariny. Espécie de amantes que nunca concretizaram um relacionamento, trocaram cartas quase que a vida toda, textos que por sua vez registraram as diversas fases de suas vivências. As viagens sem rumo de um às vezes se contrapunha à estagnação do outro. Enquanto isso, a paixão de um deles por um outro continente, surgida quase ao acaso, casava com a libertação artística do remetente. As curtas frases dos seus escritos, seja na cartas de Cesariny ou nos diários de Seixas, ajudam a diretora a construir a dimensão emocional de seus objetos de estudo. Esta surge junto às pinturas de um ou outro para ilustrar muitas vezes os resultados de seus depoimentos – e são extremamente eficientes nisso, principalmente porque Oliveira se permite explorar os detalhes dessas obras, denotando a relevância e atenção que receberam de seus autores.

Apesar de atrelada às falas de Seixas (aos 96 anos de idade), a narrativa jamais parece assumir apenas o seu ponto de vista. Mesmo assim, o artista é bastante contundente em algumas ideias. Por exemplo, embora não se considere um artista relevante, ou mesmo que as peças exploradas por seus admiradores sejam, de fato, arte, o filme jamais deixa que as percebamos da mesma maneira. Em outro momento, Cruzeiro afirma que não entende por que os homossexuais querem se integrar à sociedade, expressando uma visão polêmica ao afirmar que sua diferenciação estaria justamente em estar à margem do meio social, e até mesmo fora dele.

A admiração de Oliveira, entretanto, não permite que seu filme recaia em pura louvação acéfala, e não deixa de explorar ou busca esconder a torta trajetória de Seixas. Aqui, não tenta disfarçar que o artista se refere a negros como “pretos”, ou mesmo a condescendência e paternalismo contidos no tal amor que declara pela África. Ali, nos permite experimentar como suas birras com Cesariny, além de sua incapacidade em compreender seu espírito errático, custaram os sentimentos desse, tornando solitário e melancólico o final de sua relação, e consequentemente, os últimos anos de vida do amigo e companheiro. Claro que a realizadora só é capaz de evocar esses sentimentos quando auxiliada pelas palavras dos dois protagonistas, mas isso não quer dizer que o filme seja menos eficiente em construí-los para o espectador.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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