Crítica


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Sinopse

Izzy tenta perder sua virgindade na última noite do primeiro ano de faculdade. Ela pede ajuda às duas melhores amigas, mas intui que sua única chance é entrar numa festa fechada para convidados especiais.

Crítica

CRSHD (2019) constitui a primeira experiência da diretora e roteirista Emily Cohn em longas-metragens. Ele também representa o primeiro título das produtoras, da diretora de fotografia, das montadoras e da grande maioria dos atores num projeto profissional. O orçamento é limitadíssimo: há poucos cenários, poucos objetos e figurinos e construção improvisada da luz, além de equipamentos amadores. O resultado transmite a aparência caseira, o que não significa algo depreciativo, pelo contrário: quanto menos amarras financeiras e comerciais um projeto possui, mais ele pode experimentar, ousar, assumir riscos. Os filmes pequenos de aparência universitária podem servir de plataforma para um jovem cineasta demonstrar sua capacidade de brincar com os gêneros e as convenções. A ausência de recursos pode fornecer, ironicamente, uma liberdade de criação e desprendimento da obrigação de agradar um público amplo. Esta comédia adolescente oferece, em partes, o frescor que se esperaria de um projeto do gênero. No entanto, efetua escolhas pouco inspiradas pelo caminho.

Em defesa do filme, pode-se apontar a opção por abordar a sexualidade feminina e adolescente do ponto de vista delas. Izzy (Isabelle Barbier), Anuka (Deeksha Ketkar) e Fiona (Sadie Scott) frequentam a festa de encerramento do primeiro ano de faculdade com o objetivo claro de fazerem sexo, com quem for, pelo prazer do ato. Não existe preocupação com sua imagem perante aos outros, com seu corpo nem com as roupas ou maquiagem. O trio não se insere na parcela popular da turma, tampouco corresponde às meninas excluídas sofrendo bullying. A escolha de três garotas de aparência banal – uma delas lésbica, a outra de origem indiana – demonstra a preocupação com a representatividade sem fazer das meninas casos exemplares. Elas serão apresentadas sobretudo por suas falhas e desinteresses, sem qualquer forma de redenção ou romance rumo ao final. Há beijos, encontros com garotos e garotas, e só. Nenhuma das garotas se transforma, e a festa foge à responsabilidade de constituir um momento marcante na vida das três. Os diálogos trazem algumas falas mais cruas, temperadas com certa ingenuidade. Não há vontade de chocar em qualquer momento.

Por este fator, CRSHD se distingue de Fora de Série (2019), projeto de premissa semelhante, porém dentro de um sistema de produção muito mais refinado, e com clara vontade de ser vulgar pelo direito de sê-lo. Cohn opta por um estilo mais simples, e ao mesmo tempo mais teen, buscando alternativas lúdicas para captar a comunicação das redes sociais e dos smartphones. Neste aspecto, o filme permite tomar algumas liberdades, ainda que não sejam propriamente subversivas. Para cada conversa via WhatsApp ou post no Facebook, as meninas dialogam com a câmera diante de um fundo colorido representando as cores dessas redes. Os meninos encontrados e descartados no Tinder se convertem em candidatos numa “cabine”, também conversando diretamente com a câmera, antes de serem dispensados pelo dedo deslizando à esquerda. Há animações inspiradas nos videogames 8-bit, cenas de bandas tocando dentro de quartos universitários, sonhos românticos ou fantásticos, broncas de professores em cenários teatrais. O reconhecimento da simplicidade faz muito bem ao resultado, por rir de suas próprias limitações enquanto parodia a instabilidade emocional típica da adolescência.

Isso não impede que diversos recursos soem mal dirigidos ou infantilizados demais. Cohn exagera nos enquadramentos e na duração de uma piada simples envolvendo um RG falso, e falha na montagem esticada das sequências do banheiro masculino e na gag da máquina de cereais matinais. Em paralelo, introduz algumas reviravoltas improváveis: como o DJ da turma, e músico em uma banda, não saberia ligar o equipamento de som? Por que a amiga indiana daria brincos valiosíssimos à amiga para uma festa em que pretendem beber o máximo possível? Como a menina desesperada para perder a virgindade não perceberia o flerte descarado de um garoto que a aborda diariamente? Algumas liberdades soam pueris e forçadas. Para um filme que procura parecer tão descolado, ainda se nota um ritmo e uma inocência conservadores demais. Ainda mais crítica é a dificuldade do roteiro em abordar o sexo de maneira frontal, ou mesmo revelar a nudez. A comédia é obcecada com a possibilidade da transa – uma adulta anônima encontra Lizzy e imediatamente lhe dá uma camisinha de presente -, mas se recusa a mostrar corpos com naturalidade ou retirar do sexo sua aura de tabu. Alguns diálogos mencionam pênis e vaginas, porém com discrição.

O sexo se resume à tradicional articulação “beijo + dupla acordando no dia seguinte, vestida sobre a cama”, a exemplo das telenovelas ou romances proibidos para menores de idade. Não são apenas as garotas que hesitam entre a postura infantil e a vontade de serem adultas: o próprio filme soa indeciso entre essas possibilidades. Enquanto a saga American Pie (1999 – 2012) assumia o teor imaturo e Fora de Série preferia o olhar adulto e crítico, CRSHD não sabe se enxerga nas meninas vestidas de preto figuras deslocadas da norma ou modelos de subversão. As atuações são pouco expressivas, fruto da dificuldade das intérpretes iniciantes em trabalharem o humor autodepreciativo – que falta faz uma Beanie Feldstein ou Jillian Bell nessa hora! Mesmo assim, elas encaram dificuldades semelhantes à da direção e da montagem: qualquer produtor profissional perceberia as falhas evidentes da cena do fim da festa, da profundidade de campo excessivamente limitada e do uso de espaços dentro do campus. O filme resulta num exercício assumidamente iniciante, capaz de revelar tanto os talentos da equipe quanto as falhas de artistas ainda pouco confortáveis em suas áreas. Entretanto, há uma coesão e uma vontade de brincar na fronteira entre diferentes gerações que pode render projetos muito interessantes nos próximos longas-metragens.

Filme visto online no 7º BIFF – Brasilia International Film Festival, em abril de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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