Crítica

Uma das melhores características do cinema do mestre Alfred Hitchcock é a calma com que ele desenvolve suas histórias. Os fatos e detalhes por trás de cada personagem não são atropelados em troca de uma ação fugaz como os filmes contemporâneos. Há sempre um interesse em construir um arco bem amarrado que gradativamente vá tomando as proporções que o público espera. Os inúmeros filmes dirigidos por ele comprovam essa premissa, mas um de seus longas de estreia em Hollywood (ao lado de Rebecca: A Mulher Inesquecível, 1940), Correspondente Estrangeiro, simbolizou o que ele representaria mais tarde para a história da indústria do cinema.

Lançado em 1940, o filme aproveita o gancho do início da Segunda Guerra Mundial e se aprofunda em um período em que até hoje há um déficit de produções: os dias que antecederam o começo do conflito. Para retratar este ambiente, Hitchcock opta por contar a história de um correspondente de um jornal de Nova York que se vê em meio a uma série de tramas e segredos que além de colocar em risco a sua vida, podem deflagrar a Guerra tão indesejada. O repórter em questão é Johnny Jones (Joel McCrea), que tem seu nome trocado por seu editor para Huntley Haverst, por esse o considerar muito comum para estampar as páginas de seu jornal. Chegando a Europa, Johnny perambula entre Holanda e Inglaterra. E são nestes locais que Hitchcock constrói seu inspirado conto de espionagem.

Orientado a entrevistar o diplomata holandês Van Meer (Albert Bassermann), Johnny persegue o político que, se crê, tem as respostas para evitar ou iniciar a Guerra, mas não obtém sucesso. Na primeira vez que eles se encontram, o diálogo perspicaz declarado por Meer para despistar a sagacidade de Jones esconde interessantes figuras simbólicas. Quando Jones o indaga sobre a possibilidade de Londres ser atacada, Meer começa a falar sobre como a cidade fica bonita quando o sol surge, acabando com o clássico clima cinzento da cidade. Pode passar desapercebido pela maioria dos expectadores, mas ao dar ênfase ao mês de agosto, é impossível não traçar um paralelo com um dos bombardeios que os nazistas protagonizaram contra a cidade no referido mês de 1940. E este detalhe é apenas uma pequena demonstração da riqueza da visão de Hitchcock.

O filme segue o ritmo lento tão característico do diretor até o momento que o protagonista testemunha o assassinato de um personagem extremamente relevante para a trama. Assassinato que visualmente é belíssimo - por mais contraditória que esta afirmação possa parecer. Uma escadaria em um dia chuvoso e inúmeros guarda-chuvas cercando-os. É de deixar qualquer um de boca aberta devido à qualidade que o diretor consegue impor à sequência da cena. A partir disso, o filme entra em uma montanha russa de emoções e medos. Este é um dos pontos que mais merecem destaque; como a sensação de perigo persegue a todo instante o protagonista. Há momentos suaves, principalmente quando Jones interage com Carol Fisher (Laraine Day), seu par romântico; há o ferino e irônico humor; mas em nenhum instante sequer a tensão some do ar.

As reviravoltas também são algo a se destacar. Até uma boa parte do filme você, simplesmente, não sabe o que está acontecendo. Mas na medida que o protagonista vai descobrindo as intrigas e derrubando as mentiras que ele acreditava, vamos compreendendo as reais situações que estão acontecendo. Tudo de uma forma coerente e inteligente. O que nos faz pensar: por que hoje Hollywood não bebe desta fonte ao desenvolver suas histórias ao invés de deixar tudo tão “mastigadinho” para o público? Outro ponto a se destacar é o sensacional clímax do filme. As circunstâncias que acontecem forçam os protagonistas a fazer uma viagem de urgência para os EUA durante o primeiro dia de Guerra. Quando eles entram em águas estrangeiras, são derrubados por batedores nazistas, fazendo com que o avião caia no Atlântico. O primor técnico e visual que Hitchcock demonstra nesta sequência é de tirar o fôlego. Apesar das limitações da época, a sobreposição de registros de estúdio e reais são convincentes ao ponto de angustiar a quem assiste.

Além de arrebatar o público, Correspondente Estrangeiro contou com a aprovação também da Academia - já que o longa recebeu seis indicações ao Oscar, inclusive Melhor Filme e Melhor Roteiro. Aliás, Hitchcock perdeu para si o prêmio máximo da noite para Rebecca. De tudo que poderíamos referenciar a respeito do filme, algo merece uma atenção especial. A produção não é datada. Apesar de tratar de um período muito específico, sua qualidade extrapola qualquer limitação técnica. É um excelente longa e ponto. Indiferente a quando você vá assisti-lo. Algo que apenas o mestre do suspense e outros poucos diretores conseguiram realizar.

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Eduardo Dorneles é estudante de letras, amante de cinema, literatura, HQs e mantém um blog de crônicas e contos (edorneles.blogspot.com) .
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