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Sinopse

Aos 19 anos, Jay descobre que está sendo perseguida por uma entidade sobrenatural após se envolver com um rapaz. A única forma de passar a sina adiante e fazer sexo com outra pessoa.

Crítica

O cinema de terror ou suspense nos ensinou com o passar dos anos que aquilo que não vemos ou não sabemos o que é assusta mais do que qualquer monstro feio rugindo na nossa frente. A não ser que essa ameaça venha andando vagarosa e descaradamente na nossa direção em plena luz do dia, sem que se possa fazer nada para impedi-lo de matar a não ser fugir. Essa é a premissa de Corrente do Mal, filme concebido por David Robert Mitchell que, além de estabelecer um universo e uma metáfora instigantes, consegue ainda o que filmes de horror raramente tem alcançado hoje em dia: assustar.

A trama começa quando a jovem Jay (Maika Monroe) descobre que o cara com quem estava saindo, Hugh (Jake Weary), passou para ela uma espécie de maldição que é transmitida pelo sexo. A partir do ato, a garota passa a ser perseguida por uma entidade que pode assumir a forma de qualquer pessoa – literalmente, a coisa vem andando sempre em linha reta em direção a sua vítima, sem pressa, “ela é lenta, mas chega”, explica Hugh – e a única maneira de se livrar da assombração parece ser transmitindo-a para outra pessoa.

Logo, é difícil não enxergar o vilão do filme como uma metáfora para a morte em si, que persegue a cada um de nós até que estejamos cansados demais para continuar fugindo. E como a aceitação da própria finitude é um assunto traumático para seres tão egocentristas quanto os humanos, é curioso e instigante que Mitchell estabeleça de forma sutil, mas não insípida, uma atemporalidade que convida espectadores de qualquer idade a partilhar desse dilema; e se uma das personagens usa o que parece ser uma espécie de reader digital e outros usam celulares e carros modernos, por outro lado os telefones e televisores vistos em cena são antigos e a programação parece ser datada dos anos 1950, assim como as roupas que, embora não fossem fazer feio hoje em dia, pouco estariam deslocadas duas ou três décadas atrás.

Que a maldição seja passada através do sexo não deixa também de ser um elemento que generaliza o antagonista e o torna aplicável a praticamente todas as pessoas. E se alguns podem enxergar um antiquado desejo de imposição moralista, o que Mitchell faz durante o seu filme leva mais a acreditar que sua metáfora – se é que ele quis fazer uma – diz respeito, pelo contrário, a uma rebeldia em repúdio à condenação moralista, hoje em sempre. Afinal, a morte, como uma pessoa chegando devagar pelo fundo do quadro – um elemento visual que o cineasta passa a usar com frequência conforme o filme avança, sabendo que isso criará repetidamente tensão no espectador – vem para todos independentemente. Cabe a cada um, portanto, decidir se vai celebrar a violência através de noticiários sanguinários, enquanto alguns movem montanhas só para impedir que homossexuais se casem, por exemplo, ou se vai inverter esta situação absurda que cultiva a brutalidade e tenta tornar repulsivo um do atos mais belos e prazerosos da vida de qualquer pessoa. Assim, quando um amigo de Jay decide transar com ela apesar de saber das consequências, não deixa de ser divertido notar, com um sorriso no canto da boca, a rebeldia – e a imprudência com que podemos nos identificar – por trás daquele gesto.

Uma vez que gerar identificação não parece ser problema em Corrente do Mal, assustar é só questão de não se deixar cair em clichês, já que depois de certo ponto estamos envolvidos com os personagens. A própria escolha do cineasta de quase ocultar os adultos nos faz automaticamente temer por aqueles jovens vivendo em um mundo sem autoridades – quando em uma cena a polícia aparece, a câmera se mantém em Jay e no ponto de vista dela, que encara as próprias pernas, jamais revelando o oficial que a interroga.

Ao invés de planos rápidos e óbvios, o diretor também prefere investir em quadros abertos – que revelam toda e qualquer pessoa ao longe que pode representar um perigo, extraindo tensão praticamente a todo segundo – e panorâmicas nos cenários constantemente fechados que insinuam uma falta agonizante de opções de fuga para os nossos protagonistas, caso sejam encurralados. Mitchell, inclusive, chega a dispensar a chance de gerar tensão para criar um susto mais repentino ao ser econômico, em um dado momento, quando pelo simples enquadramento e pela noção de que sabemos em quantos estão os jovens, relaxamos, até que com a entrada de mais um elemento em cena percebemos o perigo tarde demais e o arrepio é inevitável.

Contando também com uma trilha sonora que remete diretamente aos filmes de John Carpenter – o que por si só já é um feito no estabelecimento de tensão – Corrente do Mal ainda chega a um desfecho tão incomodativo quanto o resto de sua duração, que é inteligente ao cortar no momento certo e eficiente em evocar a paranoia na qual os próprios personagens passarão a viver – remetendo de certa forma, e dentro das devidas proporções, ao thriller A Origem (2010). David Robert Mitchell é um nome para se ficar de olho, e seu filme, uma prova contundente de que não existe essa de filme de terror e filme bom – existem, sim, filmes e a qualidade que podem extrair de si mesmos, independente de gêneros ou escalas de produção.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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