Crítica


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Sinopse

De segunda à sexta, a travesti Kika, trabalha como faxineira e leva sua vida sem chamar muita atenção. Já aos sábados à noite, no entanto, é o seu momento de estrela: ela se transforma em uma artista latina digna de uma superprodução de Hollywood e, na sauna Copa 181, ganha a vida ao lado dos seus clientes mais assíduos. Aos poucos, a presença de Kika afeta a rotina de Eros, ma cantora de ópera, e Taná, funcionário de uma loja de materiais de construção.

Crítica

Você é feliz?”, pergunta a esposa ao marido. “Às vezes sou, sim”, responde ele, em momento de extrema franqueza. Afinal, quem, diante de uma questão como essa, não solta, quase que automaticamente, um “sim” ou “não”, dependendo de como a dúvida lhe é proposta? Pois bem, quem assim o faz – uma arrebatadora maioria – incorre na confusão entre ‘ser’ e ‘estar’. Para que a conclusão seja verdadeira, é preciso reflexão, análise e um olhar muito profundo sobre si mesmo. Exatamente o que se propõem os protagonistas de Copa 181, longa de estreia do diretor e roteirista Dannon Lacerda. Em cena, ele se apropria de tipos periféricos, dotando-os a mesma relevância daqueles acostumados a serem o centro das atenções. O que faz, no entanto, não é criar um espaço para que se desenvolvam, mas apenas observá-los pelo tempo suficiente. E isso, acreditem, faz toda a diferença. Ainda que nem sempre este olhar consiga manter o distanciamento necessário.

Taná (Carlos Takeshi, de Maverick: Caçada no Brasil, 2016) deixou o Japão, para onde havia ido em busca de uma vida melhor, e está de volta ao Brasil. Mora com a mulher, Eros (Simone Mazzer, de Nise: O Coração da Loucura, 2015), uma cantora de ópera às vésperas da apresentação que pode ser a grande chance de sua carreira. Enquanto ela passa os dias ensaiando, ele se ocupa entre a ferragem onde trabalha e a sauna em que se refugia no tempo livre. A questão, aqui, é que este é um ambiente gay, frequentado por outros homens como ele, que não levam uma vida abertamente homossexual, e por outras minorias, como garotos de programa e travestis. Entre essas, está Kika (Silvero Pereira, de Serra Pelada, 2013), que ganha a vida como faxineira, mas acalenta o sonho de ser artista.

Como logo se percebe, são três os protagonistas. Porém, se Eros possui um núcleo à parte, entre práticas de canto mais exigentes e momentos de maior introspecção, em que se restringe à solidão ou ao conforto passageiro de conversas telefônicas com amigas, Taná e Kika dividem o mesmo ambiente. E além dos dois há outros dramas sendo vividos por quem frequenta a Copa 181 – endereço que dá nome à casa que pode ser usada tanto para banhos ou instantes de relaxamento como, também, para transas casuais e encontros mais descontraídos, como conversas animadas e comemorações de aniversário. Há um interesse evidente pelos rapazes que se prestam a esse tipo de serviço, principalmente Leo (Caetano O’Maihlan, com maior destaque em cena, graças tanto ao físico como à desenvoltura que demonstra), o macho exclusivamente ativo que se apaixona pela travesti e lida com essa dualidade através de explosões de violência, e Davi (Gabriel Canella, em presença cativante), o jovem mais à vontade com sua sexualidade, transitando com tranquilidade entre as posições ativa e passiva no sexo – “você pensa que só é gay quem dá?”, declara com sabedoria.

Enquanto que entre os garotos percebemos essas transições entre comportamentos sexuais, refletindo com precisão uma realidade que não pode ser negada, Lacerda os usa, no entanto, apenas como pano de fundo, preferindo dirigir seu foco aos dramas vividos pelos casais Taná e Eros, aquele que se encontra à luz do dia, e Kika e Leo, os que se refugiam nas sombras das madrugadas. Os primeiros causam estranheza por não se encaixarem nos estereótipos óbvios dos pares românticos, mas possuem algo ainda mais valioso: companheirismo e sinceridade. Não dividem tudo, mas estão ali, lado a lado. E quando um ameaça invadir o espaço do outro, a ordem precisa ser reconfigurada. A conversa, portanto, existe, e isso é o que possuem de mais válido. Ao contrário da outra dupla, que até pode se encaixar no sexo – o filme é pudico neste sentido, preferindo leves insinuações ao evitar beijos entre os homens ou um uso mais explícito da nudez – mas se afastam quando expostos. E é justamente por se afogarem em si mesmos que precisarão mudar, por mais doloroso que seja esse processo.

Felicidade não é algo que se conquista, que se guarda ou se divide: é um sentimento, uma decisão, uma experiência. E cada um deve ser feliz como consegue, como aprendeu ou como acredita ser o melhor para si. Em Copa 181, por mais marginais que sejam esses personagens, ao menos estão lutando para se manterem à tona e, lidando com suas diferenças, vão descobrindo, mesmo que aos trancos, como viver esta expressão. Podem não estampar campanhas publicitárias e nem terem os sorrisos mais perfeitos, mas são donos dos seus sonhos, vontades e desejos, por mais contraditórios que esses possam ser. Assim, afinal, é feito o ser humano. E entender a miríade de possibilidades que existe dentro de cada um é apenas o primeiro passo. Com aceitação, individualidade e respeito. Independente do que é feito no quarto escuro ou no banco da praça.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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