Como Desaparecer Completamente
Crítica
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Sinopse
Uma menina, que tem uma mãe fanática religiosa e um pai alcóolatra, sonha em desaparecer por completo. Até que um dia após uma apresentação da escola, ela some, fazendo seus pais a procurarem na floresta.
Crítica
Apesar de muito jovem – está recém completando 30 anos – Raya Martin tem se confirmado, nos últimos anos, como um dos nomes mais interessantes do atual cinema filipino. Tendo dirigido seu primeiro curta-metragem há menos de uma década, neste recente período construiu uma filmografia com quase vinte títulos, atuando desde na direção como também no roteiro, montagem, fotografia e até como produtor. Premiado em festivais tão diversos quanto Bangcoc (Tailândia), Marseille (França) e Valdivia (Chile), entre outros, tem seus trabalhos praticamente inéditos no Brasil, com raras oportunidades de visibilidade em festivais e mostras focadas em um cinema mais autoral e alternativo. Como é o caso do Olhar de Cinema, o festival internacional de Curitiba, que apresentou em sua mostra competitiva o instigante Como Desaparecer Completamente (How To Disappear Completely, no original), que faz uso de uma estrutura quase documental para transverter um gênero pouco aberto à experimentações: o terror.
Como Desaparecer Completamente não entrega suas reais intenções tão facilmente. Para se ter uma ideia, percebe-se em que terreno a ação está tomando lugar com mais da metade da narrativa em andamento. Apesar de se desenvolver em um formato enxuto – são menos de 90 minutos de projeção – a história possui um ritmo lento, bastante sensorial e instintivo. Os personagens são poucos, e cada um possui sua própria relevância. Se a história em alguns momentos tende mais para um lado ou outro, é curioso notar como aos poucos estas ‘divergências’ passam a fazer sentido, compondo um painel rico e criativo. Ainda assim, não é um filme indicado para qualquer tipo de público, e é preciso muita disposição e fôlego para chegar até o seu término sem se deixar abalar pelo que é exposto na tela.
A protagonista da história é uma adolescente, moradora de uma pequena vila à beira mar. O cenário é paradisíaco; sua realidade, nem tanto. Oprimida pela mãe, religiosa ao extremo que ocupa todo seu tempo livre com rezas em frente à santa, e negligenciada pelo pai, alcóolatra viciado em brigas de galo, a garota tem apenas um sonho: desaparecer. Esse desejo, aos poucos, vai adquirindo traços também de temor, crescimento alimentado pela lenda local de uma senhora das redondezas acostumada a roubar crianças para si. Seria ela, após uma grande catástrofe natural – tsunami? – a única sobrevivente, que desde então rondaria pela região em busca do filho perdido. Na ausência deste, qualquer outro jovem serviria. E a partir do momento em que começa a vislumbrar a velha fantasma em esquinas e sombras, a dúvida se instaura: a assombração estaria ali para assustá-la ou para socorrê-la?
O cinema de Raya Martin é poderoso, repleto de um discurso de insuspeita força. A partir de um microcosmo muito particular – o espectro familiar – ele delineia traços de uma sociedade em ebulição, perdida entre o conflito do brilho passageiro ocidental e as antigas tradições locais. É preciso ir adiante, porém o que fazer com a bagagem que se carrega consigo? Perguntas como essa são constantes nas imagens que apresenta, mesmo aquelas que aparentemente estão mais desconectadas do resto. Como peças de um gigantesco quebra-cabeça, não se posicionam em determinado lugar ao acaso, mas só fazem sentido com distanciamento e interesse. O radicalismo de sua proposta não é indicado ao espectador convencional, mas recompensa com entusiasmo e inovação aqueles que aceitarem abrir mãos de certos preceitos e partirem para um mergulho intenso neste mundo mágico em que o impossível pode estar ao alcance de um passo.
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