Crítica


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Sinopse

A trajetória de um dos maiores comunicadores do rádio e da televisão brasileiros. O Velho Guerreiro é compreendido desde o início de sua trajetória artística, passando pelos tempos difíceis até chegar à consagração nacional.

Crítica

A ampla apropriação que o jornalismo, ao longo dos anos, fez da linguagem documental permitiu a disseminação de pressupostos potencialmente castradores sobre esse suporte cinematográfico. A ideia de uma ligação umbilical com realidade é um deles. O privilégio à informação, acima de qualquer esforço formal, é outro de tantos. Chacrinha: Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar é dessa lavra, pois mais preocupado com a construção de um mosaico ilustrativo do que empenhado em explorar o seu objeto de estudo a partir de uma linguagem menos convencional. Os diretores Claudio Manoel e Micael Langer resolveram resumir a obra de Abelardo Barbosa, um dos mais respeitados comunicadores do Brasil, galvanizado na história do país com a alcunha de Chacrinha. A estrutura do longa é subserviente à lógica do encadeamento de dados, estes provenientes de fontes estudiosas e/ou próximas do protagonista, para resultar na compreensão sumária de um fenômeno. O resgate do trajeto vira a grande base à lógica reverente, ao elogio unificado e monocórdico.

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Para esse painel, Claudio Manoel e Micael Langer somam depoimentos de pessoas que tiveram alguma relação com Chacrinha, embora haja um descompasso na comunicação disso (e, como diria o próprio Abelardo Barbosa: “quem não se comunica, se trumbica”). Senão vejamos. É evidente que falar com Rita Cadilac, uma das principais assistentes de palco do Velho Guerreiro, se justifica rápida e obviamente como gesto. Parte-se da premissa de que ela tem uma posição privilegiada para discorrer sobre o sujeito tido por vários como influência ruim, em virtude do populismo, mas visto com admiração por outra enorme parcela da população. Já a presença de Stepan Nercessian pode soar estranha, não de todo explicada pela ilustração de uma fala com a constatação de sua participação no programa do cinebiografado. É curioso que, num filme com inclinação tão explícita ao informativo, sequer haja a sinalização de que o ator ali está porque viveu Chacrinha nos palcos e na sua cinebiografia ficcional. O documentário parte da ideia de que o espectador sabe exatamente qual o peso casa pessoa ouvida tem. Pedro Bial está ali como estudioso? Admirador? Exercendo qual perspectiva?

A despeito desse incômodo, Chacrinha: Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar consegue fazer um panorama sintético de toda a trajetória desse homem tido como folclórico desde os tempos do rádio. Os vários relatos são costurados a partir de suas convergências. Aliás, há pouquíssimas divergências no filme, sendo até mesmo as controvérsias públicas da vida de Abelardo tratadas como toques folclóricos pouco explorados. Por exemplo, suas infidelidade e irascibilidade são pontualmente resgatadas pelos depoentes com sintomático senso de condescendência. A entrevista que o protagonista dá ao lado de sua esposa, Florinda, na qual ela defende a ignorância quanto aos casos extraconjugais do marido, atendendo ao conveniente “o que os olhos não veem, o coração não sente”, é apresentada como um dado curioso, integrada ao discurso como outra excentricidade à qual o gênio da televisão tinha permissão. O filme não ganha espaço para críticas ao homem, ao menos não sem os devidos panos quentes atenuantes vindo logo depois. Se trata de uma opção, sem dúvida.

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Chacrinha: Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar não expande certos temas desprendidos das histórias de Chacrinha. Sua capacidade de compreender anseios populares, o vanguardismo de quebrar o pacto de invisibilidade da câmera com o espectador, a função de espelho da sociedade, o tino comercial que o tornou também um grande homem de negócios, o país que vivia entre o jugo da censura oficial e o desejo por uma permissividade deliciosamente subversiva. Todos esses tópicos são devidamente mencionados, rapidamente debatidos por “herdeiros”, tais como Luciano Huck, Gugu Liberato e João Kleber, mas nenhum minimamente aprofundado. O esquema “cabeças falantes” denota a falta de dinamismo que transforma o filme em refém voluntário do conteúdo dos depoimentos verbais. A ilustração com imagens de arquivo (foto e vídeo) ora é uma simples rubrica, ora se junta a essa homogeneização instaurada por meio da soma de vozes heterogêneas. O resultado é relativamente bem-sucedido como homenagem, mas superficial enquanto desenho do gênio.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Alysson Oliveira
4
MÉDIA
4

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