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Em Carrero: O Áspero Amável, a cineasta Luci Alcântara se debruça sobre o escritor pernambucano Raimundo Carrero. Com mais de uma dezena de obras publicadas, ele teve seus romances adaptados para o cinema e para o teatro. Tais trabalhos lhe renderam diversos prêmios e reconhecimentos, como o Troféu Machado de Assis e o Jabuti, entre tantos outros. Como se pode ver, a atenção lhe é mais que merecida. No entanto, o maior mérito da produção é dar espaço para uma figura ímpar, que se diz, timidamente, mais afeita à escrita do que a falar. Dá voz a uma veia criativa que parece infindável, cujos problemas de saúde não foram suficientes para calar. Pelo personagem, mais do que pelo olhar, eis aqui um filme que justifica sua existência.
Luci Alcântara é diretora, produtora e roteirista. Todas essas funções assumidas em Carrero: O Áspero Amável. Uma das mulheres mais atuantes do cinema pernambucano, ela faz uso da própria história para a construção do filme. Afinal, ele começou a ser idealizado há mais de uma década – e isso pode ser verificado em cena. O curta abre com o próprio Carrero, em frente à câmera, apresentando o espaço diminuto em sua casa utilizado como escritório e biblioteca – isso em 2008! Dez anos se passam e o cenário é, dessa vez, ainda mais caótico. A passagem de tempo é eficiente para indicar como se dá o processo criativo do escritor – além de funcional ao formato assumido, pois rapidamente insere o espectador no universo do autor.
Raimundo Carrero está diante da câmera, não despido, mas de alma leve. Ele vai, lentamente, se desnudando – de forma figurada, claro. Não que um modo literal fosse impossível – quem conhece um pouco da sua obra sabe bem do que ele é capaz de imaginar (e fazer). E o autor também aborda em seu discurso esse viés, sem fugir de polêmicas ou demonstrações de extravagancia artística. Quem não o conhece, no entanto, encontrará aqui uma porta de entrada para um tipo de escritor quase em extinção, desprendido dos conceitos mais modernos e que deixa claro agir com base única e exclusivamente na sua própria inspiração. “Não saberia fazer outra coisa, nunca tentei, e nem quero. Se me proibirem de escrever, melhor é morrer”, diz ele para o espectador – ou seria para si mesmo?
Os anos passam, o homem se transforma, e as mudanças vão pesando. Mesmo tendo sofrido recentemente um AVC, Carrero segue na ativa – hoje ele não é mais escritor, e sim um "dedador", como afirma jocosamente (escreve no computador usando apenas um dedo de cada mão). Alcântara, mesmo tendo ela mesma uma bagagem incrível a fim de acrescentar a qualquer projeto que decida levar adiante, é sábia o suficiente para se conter, permitindo que seu biografado assuma todas as luzes. Assim, Carrero se revela uma figura quase irresistível, definitivamente muito mais amável do que áspero. O que não deixa, diante de um olhar mais apurado, uma gratificante surpresa.
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