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Sinopse

Um assassino cruel está à solta. Uma xerife se coloca no seu encalço. Ela vai unir forças com um sujeito de passado trágico, que vive isolado, para capturar o criminoso.

Crítica

É preciso um caçador para pegar um assassino”, diz a frase estampada no pôster de Caça Mortal. É interessante tal sugestão, pois, por mais que os elementos nela apontados estejam em cena – tanto o caçador quanto o assassino – não são exatamente neles que a trama do longa dirigido por Robin Pront se concentra. Porém, ao invés de centrar sua narrativa no que realmente importa, o esforço percebido vai em sentido contrário, inserindo subtramas que em nada colaboram com o andar dos acontecimentos. É notório que estes elementos são acrescentados apenas na tentativa de confundir o espectador a respeito da verdadeira identidade do criminoso, aquele que mais de um está atrás – e não apenas o citado acima – e cuja descoberta se dá de modo tão anticlimático e previsível (até pela eliminação dos demais suspeitos) que termina por enterrar as pretensões de um conjunto que vez por outro até chegou a almejar um desfecho mais auspicioso.

O cineasta belga faz de sua estreia no Estados Unidos uma verdadeira salada de referências que até responde por um ou dois bons momentos de tensão, principalmente na metade inicial da história. É quando a ação opta por focar no cotidiano de Rayburn (Nikolaj Coster-Waldau, desconstruindo o galã que por tanto tempo ele almejou nas telas), o responsável por uma área de proteção florestal que passa seus dias impedindo que invasores cacem animais naquela região – prática que ele mesmo desempenhou por muito tempo, mas cuja mudança radical de comportamento se deu a partir do desaparecimento da própria filha – “ela não gostava que eu maltratasse os animais”, se justifica. A primeira cena do filme, no entanto, oferece uma câmera que acompanha um corpo sem vida rio abaixo, até o mesmo ser encontrado e denunciado à polícia. A relação é imediata, mas é o Rayburn que desfaz a impressão: não se trata de sua menina, da qual vemos apenas rapidamente, em um flashback um tanto desnecessário.

Dividindo seu tempo entre vigiar seu território – que foi rebatizado com o nome da garota – e em espalhar cartazes de “procura-se” pelos arredores, mesmo já tendo se passado 5 anos desde o sumiço dela, Rayburn perdeu há tempos os laços que o mantinham como uma presença ativa naquela região. A esposa o trocou por outro e todas as suas noites acabam invariavelmente no fundo de uma garrafa. É uma condição bastante distinta daquela vivida pela xerife Gustafson (Annabelle Wallis, equivocada em uma composição que não convence), que após anos na cidade grande aprimorando sua formação, voltou para assumir o cargo público e retomar os laços com o irmão menor (Hero Fiennes Tiffin, mais uma distração do que uma presença relevante), a quem havia abandonado quando os pais de ambos faleceram.

Certa noite, ao observar uma das tantas câmeras espalhadas pelas árvores da reserva, Rayburn se depara com uma jovem em desespero sendo perseguida por alguém camuflado, que tenta atingi-la mortalmente. Nem chega a ser uma decisão a ser tomada, pois seu senso de justiça fala mais alto e o impele a sair no socorro da moça. Esse, no entanto, é somente mais um dos tantos dramas que Caça Mortal trata de empilhar em sua narrativa. Pois, além dessa ‘caçada humana’, há ainda a policial que não é aceita pela comunidade, o rapaz que foi abusado pelos pais adotivos, a zona de prostituição que se encontra além dos limites da lei e o contraventor indígena que pode, ou não, ser inocente. Tudo isso, é claro, além da causa que envolve o protagonista e pela qual ele certamente não irá desistir tão cedo – inclusive, se negando a participar de uma falsa cerimônia de sepultamento, como a ex-esposa deseja. Há muito a ser discutido, mas nem todo embate possui peso que justifique o espaço que ocupa no enredo.

Mas esses não são os únicos problemas da história criada pelo roteirista estreante Micah Ranum. O propósito percorrido por ele e pelo diretor desde o início é disfarçar algo bastante simples. Afinal, esse é apenas mais um conto de “adivinhe quem é o culpado”, ou whodunit, como os norte-americanos apelidaram casos assim. Porém, para que um texto que parta desses parâmetros possa ser melhor aproveitado, é necessário não apenas assumi-lo – o oposto que vemos por aqui – como também saber fazer uso e explorar os potenciais de cada um dos seus elementos – o que também não se verifica nesse conjunto. Pelo contrário, o que se tem são personagens cujas motivações soam inconstantes e frágeis, partindo de posições quase aleatórias e cujos interesses parecem ser alterados como a mudança dos ventos. No final, nem mesmo o que poderia soar como reviravolta acaba provocando algum efeito, tamanha é a gratuidade da sequência de excessos. E assim, o que termina por ser quase apagado – e esquecido – é um contexto que, se tivesse sido desenvolvido a partir de um ponto de vista mais simples e objetivo, talvez tivesse atingido um resultado ao menos eficiente.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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