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Sinopse

Edgard trabalha como subalterno na empresa do milionário Werneck e é apaixonado por Ritinha, uma mulher simples que leva a vida como professora para sustentar a mãe e suas três irmãs. Um dia Peixoto, genro e funcionário de Werneck, lhe faz uma proposta para que se case com Maria Cecília, filha do patrão. O motivo é que Maria Cecília foi estuprada e agora precisa de um noivo, mesmo que seja comprado. Edgard hesita, mas aceita a proposta.

Crítica

Nelson Rodrigues foi um dos autores mais adaptados durante os anos de ouro da Pornochanchada. Também pudera. Seus textos tinham humor, ironia e o teor sexual perfeito para se converterem em sucessos. Tanto que grandes êxitos de bilheteria foram baseados em seus textos, como A Dama da Lotação (1978), Os Sete Gatinhos (1980) e Engraçadinha (1981). Bonitinha Mas Ordinária ou Otto Lara Resende foi mais um capítulo bem-sucedido nesta história, embora tenha narrativa e temática bem mais desafiadoras do que os demais filmes citados. Segunda versão cinematográfica da peça de Rodrigues – a primeira havia sido lançada em 1963 – esta adaptação conta com Braz Chediak na direção, que faz um trabalho esmerado e consciente ao trazer toda a sordidez do texto original.

Na trama, Edgard (José Wilker) é um funcionário humilde na empresa do Dr. Werneck (Carlos Kroeber). Ex-contínuo, sente-se humilhado ao lembrar do seu passado e deseja, mais que tudo, subir na vida. Sua chance pode estar próxima quando o braço direito de Werneck, Peixoto (Milton Moraes), lhe oferece uma oportunidade única: casar com a filha do patrão, a bela e inocente Maria Cecília (Lucélia Santos), em troca de um gordo cheque. Mas qual é o golpe? Ela foi violentada por cinco homens certa feita e, por não ser mais virgem, um casamento deve ser arranjado às pressas. Parece uma oportunidade perfeita para que Edgar saia de sua paupérrima situação. No entanto, seu desejo pela vizinha Ritinha (Vera Fischer) pode atrapalhá-lo.

O que chama atenção logo de cara em Bonitinha mas Ordinária ou Otto Lara Resende é a inexistência de personagens inocentes. Todos têm uma mácula no passado ou no presente, são seres imperfeitos, humanos, falhos. O “herói” da história não freia seus instintos sexuais e praticamente violenta seu objeto de desejo; a vizinha é obrigada a se prostituir para prover o melhor para suas irmãs e sua mãe doente; o chefe de Edgard é um sádico que se excita ao ver cenas de violência sexual; a filha dele parece ter herdado um tanto desse gosto pelo masoquismo – talvez por ter sofrido algo no passado com o próprio pai, não fica claro. Estamos diante de uma gama de personagens longe do bom mocismo. Braz Chediak entende isso como ninguém e povoa seu filme com cenas fortes, que incomodam pela violência e pelo abuso. Isso acaba separando este trabalho das demais pornochanchadas. Muitas delas utilizam cenas de sexo – inúmeras abusivas – como algo excitante. Não aqui. A própria trilha aponta que estamos frente a um filme de terror, por vezes. Exemplo claro disso é a cena em que três jovens irmãs são violentadas em uma festa diabólica. Difícil de assistir.

Chediak é hábil em contar esta sórdida história e tem insights interessantes – como as três versões diferentes da cena do estupro de Maria Cecília. No desenrolar da trama, descobrimos verdades a respeito daquele momento e, em cada um deles, a cena é modificada para nos mostrar essas mudanças. Quanto ao elenco, José Wilker, Lucélia Santos e Vera Fischer são óbvios destaques, cada um à sua maneira construindo personagens críveis dentro daquele universo criado por Nelson Rodrigues. Wilker parece se divertir ao entoar o mantra de Edgar: “O mineiro só é solidário no câncer”, frase atribuída ao jornalista Otto Lara Resende. Entre a cruz e a espada, o protagonista repete a sentença na tentativa de decidir por qual caminho deverá seguir. Lucélia Santos acabou sendo uma revelação, ainda mais por conseguir viver muito bem os dois momentos distintos de Maria Cecília. Fischer, por sua vez, parece viver a personagem mais equilibrada de todos, ainda que tenha esqueletos guardados no armário e acaba sendo conquistada pelo violento Edgard.

Bonitinha Mas Ordinária ou Otto Lara Resende não é um filme fácil de assistir, até por apresentar as já citadas pesadas cenas de abuso. Em uma época em que falamos tanto da cultura do estupro, assistir ao longa-metragem acaba por ser um desafio em alguns momentos. Ousado para a época, o filme queria desafiar o status quo daquele momento – vivíamos uma Ditadura, afinal de contas – ao colocar uma história com alto teor sexual, mas nada estimulante, diferente de outras pornochanchadas de sucesso. Como se quisesse chocar e fazer pensar, em um período da nossa história em que isso não era olhado com bons olhos pelo poder vigente. Pesado, mas válido.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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