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Sinopse

O primogênito de uma família de classe média é convidado para jogar handebol na Alemanha. Com a notícia da viagem, ele lança sua mãe em uma espiral de sentimentos pois, além de ajudar a problemática irmã a lidar com as instabilidades do marido e se desdobrar para dar atenção ao seus outros filhos, ela terá de enfrentar sua partida antes de estar preparada para tal.

Crítica

A família está reunida. É hora do jantar, e a casa, por mais apertada que seja, é como coração de mãe – sempre cabe mais um. Na mesa espremem-se os pais, os gêmeos caçulas, o filho do meio, a tia e até o primo, filho dessa e também criança. A divisão da comida é disputada, mas ainda falta alguém. É Nando, o filho mais velho. E quando ele chega, vem também a boa – e a má – notícia. Seu talento como jogador de handebol foi reconhecido, e acaba de ser chamado para jogar na Europa. O futuro lhe abre, ao mesmo tempo em que o mundo desaba. Sobre quem? Na figura materna, é claro. E enquanto ela tenta suprimir a angústia que lhe toma conta e demonstrar apoio ao primogênito, um universo de emoções lhe trespassa. Tanto que chega ao ponto de estar prestes a explodir. Antes disso, quem estoura é a torneira. A água que se espalha por toda a cozinha, molhando tudo e todos, também lava seus sentimentos. E nessa breve sequência, Benzinho dá o seu recado.

Segundo longa-metragem de ficção do diretor Gustavo Pizzi, Benzinho representa também uma continuidade da parceria do cineasta com sua ex-esposa Karine Teles, com quem era casado na época de Riscado (2010). Assim como no trabalho anterior, os dois assinam juntos o roteiro desse novo filme, que deixa de lado os conflitos profissionais explorados antes para se focar na questão familiar. Nando está partindo, e precisa ir. A realidade dele – de todos eles, aliás – é por demais limitada. A casa onde moram está, literalmente, desmoronando. O emprego do pai – uma papelaria – não tem futuro, e seus sonhos de grandeza em nada o ajudam a colocar os pés no chão. A mãe se vira como pode, fazendo bicos aqui e ali, mas é uma só diante tantas dificuldades. E ainda tem a tia, que veio com o filho em busca de abrigo, enquanto tenta se livrar do marido violento. Afeto há demais entre eles, o que lhes faltam são oportunidades. E quando uma surge, é preciso agarrá-la. Mesmo que signifique o afastamento de um deles.

É importante observar como se dá a questão da mudança durante toda a trama. Irene (Teles, dona e proprietária do filme) reluta o tempo inteiro: contra a partida do filho, os anseios ilusórios do marido, as agressões do cunhado, as mudanças no trabalho. Mas ela não é imóvel e, ao mesmo tempo, não teme enfrentar o que acredita ser preciso: estuda à noite – e vai se formar! – e não desgruda da irmã, como o apoio que essa precisa, enquanto segue dando corda para o esposo – suas negativas não são veementes, e sempre deixam espaço para discussão – enquanto mantém vivo seu sonho maior: a casa que está construindo no terreno ao lado, mesmo faltando dinheiro e mão de obra. Ali estão depositadas as suas maiores esperanças, e nessa busca por uma vida melhor, não esmorece nem diante da humilhante forma como é recebida por uma antiga patroa, da porta com a fechadura emperrada que obriga a todos usarem a janela ou até mesmo da conclusão que terá que vender a casa da praia em nome de ambições maiores. É preciso abrir mão de algo para que o novo possa encontrar seu espaço.

Pizzi, ainda que esteja se referindo a momentos de passagem, cruciais para a história destas pessoas, não descuida dos detalhes. Só assim para justificar em papeis pequenos, porém importantes, nomes de peso, como o uruguaio César Troncoso – que engrandece o ambiente a cada aparição – como o homem que a irmã quer se ver livre, o jovem Ariclenes Barroso – que tem apenas uma cena, mas sua juventude é fundamental para o que esta sequência pretende discutir – e o galã Mateus Solano, desprovido de vaidades como o professor de educação física que primeiro aposta no garoto, para depois também sentir seu abandono. Sem falar, é claro, em Adriana Esteves e em Otávio Müller, como os dois apoios de Irene (a irmã e o marido), ambos em plena sintonia com a protagonista. Por fim, é preciso mencionar a revelação Konstantinos Sarris, que pega o garoto Fernando para si e o torna um jovem repleto de sonhos e vontades, cheio de carisma e paixão por tudo que a vida lhe promete, na ficção e na realidade.

Seja com o filho no colo na boia d’água ou passeando pela obra em construção à noite, tendo um ataque de nervos durante o feriado prolongado ou se emocionando durante uma formatura que em nada mudará sua vida, Irene é a alma e a verdade de Benzinho. Karine Teles oferece uma interpretação maiúscula, talvez a mais completa da sua já notória filmografia. A despeito disso, no entanto, esse é um filme que emociona pelo conjunto, conseguindo surpreender por se revelar ainda maior do que os seus (ótimos) talentos individuais. Falando de uma realidade tão pequena, quase medíocre, mas que se recusa a ser abafada, se comunica com o mundo, mostrando que laços, quando reais, não se desfazem diante uma mera questão de espaço e tempo. E é justamente na certeza dessa sobrevivência que este conto se mostra tão preciso. Afinal, é somente no momento em que damos adeus que, enfim, teremos certeza de que aquele instante, ao menos, permanecerá vivo. Nem que seja na memória.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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