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Sinopse

Yvan de Wiel tem uma crise a resolver: este banqueiro suíço viaja à Argentina, em plena ditadura militar, para acalmar os principais clientes locais após o desaparecimento misterioso de seu sócio. Enquanto tenta manter empresários e políticos no banco, começa a sentir os efeitos da opressão do governo.

Crítica

Azor (2021) poderia ser dividido em duas partes: aquela que se mostra ao público, e aquela que se esconde dele. Na parte explícita reside a sinopse do filme: um banqueiro suíço viajando às pressas à Argentina para tranquilizar os principais clientes e mantê-los no banco, após os rumores envolvendo o desaparecimento de seu sócio. Yvan De Wiel (Fabrizio Rongione) tem a agenda repleta de encontros com poderosos empresários, comerciantes ilegais e ministros. Ao longo dos jantares, festas e conversas em escritórios, garante a continuidade dos negócios. Sim, um homem sumiu sem deixar vestígios, porém, ao que tudo indica, segue vivo e operando parte das transações às escondidas. De fato, a filha de um destes clientes, que deveria assumir o controle da empresa familiar, também partiu sem deixar traços. Mas as instituições estão funcionando normalmente, garante o estrangeiro, acenando ao lado da esposa Inès (Stéphanie Cléau). Por este ponto de vista, o longa-metragem oferece um drama, ao invés de uma narrativa de espionagem: o ponto de vista pertence ao homem que desconhece o funcionamento do capital na América do Sul, e tenta apenas preservar seu patrimônio. Ninguém está procurando pelas pessoas desaparecidas, e se possível, é melhor evitar o tema. Afinal, eles estão em 1980, durante a ditadura militar argentina.

Isso leva à segunda parte do projeto, aquela de maior interesse: a representação insidiosa de um governo opressor e autoritário. Na chegada a Buenos Aires, o banqueiro testemunha uma batida policial, quando sujeitos de terno e gravata são postos contra a parede pelos militares. Ao marcar reuniões com clientes, alguns não comparecem, já outros solicitam uma visita em seu apartamento — e ao chegar lá, o local estará escuro e completamente vazio. “Posso acender as luzes?”, questiona De Wiel ao tipo anônimo que o conduz ao imóvel. “Não demore”, responde de maneira lacônica o motorista. Neste plano, o drama se converte num suspense sombrio, onde a ditadura pesa severamente sobre cada conversa, embora não se fale explicitamente nela. O principal símbolo desta opressão se encontra na figura de René Keys, o antecessor desaparecido. Ele é mencionado dezenas de vezes pelo estilo extravagante e agressivo, encorajando os clientes a investirem sem medo. Detalha-se o estilo boêmio, a lábia e os esquemas escusos que estaria conduzindo contra as políticas da sede na Suíça. Cada reunião invoca a presença ausente deste homem, considerado mais preparado e ardiloso do que o tímido De Wiel. 

Assim, o roteiro se move por ambiguidades, pequenos símbolos, insinuações, jogos de olhar. Pouco acontece em termos de reviravoltas ou golpes espetaculares de poder. Nenhuma nota de dinheiro é vista o longo da sessão, e valores são raramente discutidos. Mantendo-se fiel ao ponto de vista do homem suíço, o espectador é colocado às sombras, na dúvida se as conversas pseudo amigáveis entre De Wiel e os clientes constituem mera formalidade, ou uma possível ameaça. “Tem coisas acontecendo que são muito assustadoras”, aponta um negociante. “Estamos em fase de purificação: os parasitas precisam ser exterminados”, comenta outro, à meia-voz. Ministros, padres, donos de empresas estão juntos na tentativa de varrer para debaixo do tapete as ilegalidades produzidas pelas altas cúpulas da administração. Afinal, os investimentos continuam fluindo, conforme atestam as mansões, balneários e coberturas luxuosas por onde circulam os personagens. Mesmo o título faz referência a um não-dito: “Azor" seria uma gíria do banqueiro para “Cale a boca. Cuidado com o que diz”. São as mulheres, figuras anexas ao poder, de função ora efetiva, ora simbólica (posto que o poder é viril, branco e heterossexual), que explicam o significado destes códigos.

A elegância das chantagens e o caráter protocolar das sucessivas reuniões e jantares de negócio podem despertar a impressão de frieza e hermetismo. Em contrapartida, o longa-metragem possui cenas belíssimas, fruto de um trabalho impecável de fotografia, que busca resgatar o granulado da época, as cores queimadas, a baixa nitidez propícia ao thriller. Enquanto os enquadramentos valorizam o silêncio das poucas pessoas em palacetes gigantescos, a montagem garante que o tempo estendido de cada plano aumente a tensão: por que De Wiel e Augusto (Juan Trench) permanecem em posição tão desconfortável, um face ao outro? O que querem dizer estes homens de poder quando se calam e sorriem, ou quando cochicham nos ouvidos? Enquanto os ativistas sofriam punições severas nas mãos dos ditadores, o filme se concentra na esfera poupada de tais violências, pois fazia o dinheiro circular. Nenhuma frase intimidadora ou anúncio de desaparecimento provoca surpresas entre as figuras ao redor das mesas: a cada aviso do gênero, consentem e seguem em frente. A normalização da barbárie constitui um dos aspectos mais perturbadores de Azor, filme amoral a respeito da imoralidade do mundo das finanças. A possível captura, o exílio e a suposta morte serão interpretados como meros inconvenientes às transações — mas sem problema, não se preocupe, aqui está um novo banqueiro para substituir o anterior. Passemos.

Alternando diálogos em francês e espanhol, os atores estão bem calibrados para representar tal ambiguidade. Eles constroem, à primeira vista, figuras educadas, mesmo quando sugerem atrocidades por baixo das cortesias habituais. Fabrizio Rongione transmite com naturalidade o tipo habituado aos trâmites financeiros, porém incapaz de transitar pela corrupção dos poderosos — a potente cena final indica o prazer do menino que, enfim, passa a jogar no time dos grandes. Stéphanie Cléau, atriz de pouca experiência, surpreende pela austeridade desta esposa cúmplice, que talvez demonstrasse maior desenvoltura nas transações do que o próprio marido, caso o machismo da época o permitisse. Carmen Iriondo, no papel de uma rica viúva, desempenha papel semelhante. Ela é capaz de passar uma noite divertida ao lado da colega, antes de se virar e afirmar à outra, sem meios-termos: “Eu estou profundamente entediada”, dando meia volta e partindo. Há diversos monstros nessa história, mas não pessoas malvadas ou vilões segundo a compreensão maniqueísta das narrativas hollywoodianas. As figuras realmente monstruosas estão ausentes, incrustadas num sistema invisível e perverso. Os personagens reagem, da maneira que lhes cabe, a tamanha desumanização — seja combatendo-a, seja se filiando a ela. Ao final, tudo e nada se resolve: as conquistas singelas do peixe pequeno em meio aos tubarões satisfazem seu ego, porém deixam os problemas na exata situação em que se encontravam. Vencem as aparências e as satisfações pessoais. Em algum lugar distante, a ditadura continua desaparecendo com os argentinos.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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