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Crítica


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3 votos 8.6

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Sinopse

O ícone francês Charles Aznavour ganhou uma câmera de Edith Piaf em 1948. Até o ano de 1982, ele captou inúmeras horas de filme que se formaram uma espécie de diário feito de sons e imagens movimento.

Crítica

Ao espectador interessado por fronteiras, provavelmente será uma tarefa árdua distinguir a “verdade” da possível intromissão fabular em Aznavour por Charles. Ainda que a narração seja baseada em escritos e outras heranças deixadas por Charles Aznavour, um dos artistas mais populares da França no século 20, é absolutamente compatível com a operação cinematográfica a adequação dos mesmos em função de uma ideia de conjunto, de intenção. Porém, essa contradição poética de supostamente "trair" em pequenas quantidades para aproximar-se de uma suposta genuinidade – algo que também faz parte apenas da dimensão das conjecturas, pois não temos acesso às palavras originais – está a serviço da nossa proximidade com o âmago do mito, o que parece o principal intuito do cineasta Marc di Domenico. De fato, a voz suave de Romain Duris, que substitui a indefectível do protagonista infelizmente morto, é minuciosamente encaixada numa equação que contém ainda imagens reveladoras, principalmente, do olhar de Aznavour. As filmagens nos oferecem a objetividade dele. Os dizeres complementam com o que elas subjetivam. É um processo de simbiose bonito.

Entre os principais momentos de Aznavour por Charles, estão as reflexões sobre o próprio cinema, especificamente a ação de registrar tudo (naquela época) em filme, de certo modo eternizando instantes passíveis de escaparem da percepção mais atenta à efervescência do presente. Marc di Domenico parte de uma tarefa hercúlea de arqueologia, se esforçando para que o espólio verbal e audiovisual de Charles Aznavour faça sentido como ponderação ampla/complexa e que o transpareça para além de depoimentos alheios. A música, meio de expressão pelo qual o franco-armênio ficou mundialmente conhecido, é utilizada com parcimônia, apenas pontualmente para acrescentar um acento conhecido nessa rubrica de um sujeito escrutinado carinhosamente a partir daquilo que deixou para trás. Ocasionalmente, o filme permite que as imagens se transformem em meros adornos diante da prevalência lírica do texto retrabalhado, possuindo assim pouca retórica própria. Entretanto, na maior parte das vezes, os flagrantes feitos em suportes distintos anunciam uma singela capacidade de traduzir sensações, pontos de vista bem específicos e uma curiosidade renovada.

Aznavour por Charles nos confere acesso ao privado. Nesse caso, não se trata de deslocar a percepção do homem público, mas de oferecer contato com sua forma bastante singular de enquadrar as coisas. A lente de Aznavour se transforma, assim, num representante do "olho" do artista que, ao ter seu discurso reorganizado pela montagem nesse longa-metragem, reflete longamente sobre origens imigrantes, amores que o mobilizaram e os passos dados até se tornar um dos emblemas da cultura popular francesa. Em dadas passagens, há uma bem-vinda inversão de vantagens entre áudio e visual, com a palavra deixando de exercer um protagonismo, circunstancialmente cedendo à imagem essa primazia. Curiosamente, os principais deles têm a ver com os afetos do artista, como quando a câmera se detém de modo fascinado no semblante cálido da sueca Ulla, com quem se casou numa cerimônia em Las Vegas. Os registros dos filhos brincando também possuem essa característica. Já à reflexão sobre pertencimento é imprescindível o enlace entre som e imagem.

Charles Aznavour é resgatado como um ser político. Isso se aplica principalmente ao discurso humanista relativo à necessidade de derrubar barreiras e, mesmo assim, ser capaz de valorizar as suas raízes. Em Aznavour por Charles, a melancolia escoa pelas frestas de sentenças que visam expor opiniões sobre estrangeirismos, êxodos e diásporas. Os pais do protagonista eram da geração de armênios nascidos no exílio. Aznavour, então, era neto de sobreviventes do Genocídio Armênio, massacre ocorrido de 1915 a 1923, frequentemente citado como um Holocausto – estima-se que tenham sido assassinadas quase 2 milhões de pessoas pelas autoridades otomanas. Esse lastro histórico é constantemente citado, ilustrado com flagrantes análogos/sintomáticos pelos países em que o artista fez shows ao longo da vida. Portanto, a intimidade excepcional com os prismas de Aznavour é sinalizada em virtude da organização cuidadosa de suas anotações audiovisuais e escritas. Mais que perfazer vida/obra, Marc di Domenico está interessado na perspectiva ímpar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Chico Fireman
7
MÉDIA
7.5

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