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Sinopse

Aos 80 anos de idade, Polidoro é um juiz aposentado que vive sozinho e mal tem contato com o filho, Paulo, um pianista fracassado. Quando sua filha mais próxima, Bia, entra com uma ação para interditá-lo, ele decide investir seus fundos numa boate de striptease em Copacabana.

Crítica

Produtor da comédia romântica Mato Sem Cachorro (2013), Tiago Arakilian estreia na direção de um longa de ficção com o drama cômico Antes Que Eu Me Esqueça, filme que leva seu título ao pé da letra: sua trama é tão irregular que, apesar de atirar para lados diversos, chega a causar surpresa o fato de não acertar nenhum dos seus possíveis alvos. E, com isso, nos deparamos com um resultado absolutamente descartável, daqueles que pouco permanece na memória do espectador após o seu término. O que não quer dizer, por outro lado, que não seja repleto de boas intenções – a questão é que, dessas, como diz o ditado, o inferno está cheio.

Os primeiros minutos situam a audiência nos bastidores do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Paulo (Danton Mello) faz parte da orquestra, como pianista, porém está insatisfeito em sua posição como coadjuvante e sonha em fazer um teste para a filarmônica. Os ambientes são sóbrios, as tomadas elegantes e a trilha denota altas inspirações. Porém, na outra ponta da trama, está Polidoro (José de Abreu), que está começando a esquecer das coisas e gerando preocupações para os seus, principalmente na filha, Bia (Letícia Isnard, de Um Tio Quase Perfeito, 2017). Tanto que esta chega ao ponto de entrar na Justiça para interditá-lo. Só que quando o irmão é chamado para dar o seu parecer, ele revela estar há anos afastado, sem contato direto com o pai. E será por isso que o juiz responsável pelo caso tomará uma decisão inusitada: obrigará os dois – Polidoro e Paulo – e se verem ao menos uma vez por semana, durante alguns meses, até que cheguem a uma conclusão a respeito do estado mental do patriarca.

Acontece que o senhor está cansado, e suspeita que a filha esteja se comportando desse modo pensando apenas na sua futura herança. Por isso, decide investir muito do que tem em um inferninho em Copacabana, uma casa de shows e prostitutas liderada por Alceu (Eucir de Souza). E se a estranheza provocada por este conjunto não for suficiente, há ainda a adição de uma série de personagens que pouco acrescentam, como a gerente do bar (Guta Stresser), a advogada que precisa acompanhar os encontros (Mariana Lima) e até mesmo os velhos da praça, liderados por Gregório (Dedé Santana – sim, o dos Trapalhões). Nenhum deles possui uma função definida – aliás, até ameaçam algo neste sentido, mas nada que chegue a ser concretizado. E ao invés de se posicionaram como alívio cômico, interesse romântico ou coro grego, respectivamente, servem apenas para emular um humor barato e rasteiro, que não causa efeito na trama e muito menos na audiência.

O grande problema de Antes Que Eu Me Esqueça, no entanto, parece ser a inabilidade do realizador em lidar com o seu elenco. Atores como José de Abreu, um dos medalhões da televisão nacional, Danton Mello, que tem investido cada vez mais na comédia cinematográfica, Guta Stresser, após mais de uma década de A Grande Família (2001-2014), Mariana Lima, que já trabalhou sob o comando de cineastas como Arnaldo Jabor e Ugo Giorgetti, e o próprio Dedé Santana são, cada um ao seu modo, representantes de uma corrente de atuação bastante distinta. Para tê-los todos ao mesmo tempo em cena, é preciso muita sensibilidade e conhecimento a respeito dos seus pontos fortes, a fim de que uma harmonia possa ser instaurada entre eles. Justamente o que não acontece. As interações soam forçadas, o que move cada personagem é completamente arbitrário e as ligações que vão surgindo revelam-se tão frágeis que nem mesmo chegam a perdurar enquanto interesse dramático. Em resumo, tem-se a impressão de que cada um está em um filme diferente, em registros tão opostos que só poderiam ser resultado de uma direção esquizofrênica e inexperiente.

No entanto, olhos menos preparados poderão apontar como interesse maior o argumento, que coloca pai e filho refazendo laços e descobrindo-se mutuamente. Tal observação até seria válida, caso este elemento não fosse constantemente ignorado em nome de uma piada pronta ou outra interrupção igualmente fruto de pouca inspiração. A doença de um deles, por exemplo, é imposta de forma abrupta e até mesmo gratuita, terminando por se revelar apenas mais um clichê. Sua verdadeira utilidade, como logo se percebe, é apressar o desenrolar dos acontecimentos e evitar qualquer tipo de discussão mais aprofundada. Antes Que Eu Me Esqueça nasce de uma premissa nada original, e segue tremulante durante o seu desenvolvimento, sem que consiga revelar qualquer destaque ou mesmo elemento que mereça uma atenção mais detalhada. O humor não funciona, o contraste provocado por frases de baixo calão com a origem clássica dos protagonistas mais atrapalha do que converge e o todo é tão equivocado que nem mesmo o mais predisposto dos espectadores conseguirá encontrar algo digno de permanecer na sua própria memória. Melhor esquecer, de fato.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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