Crítica

Foram nove anos de espera para saber o que aconteceu após Jesse supostamente perder a viagem de volta para os Estados Unidos e ficar com Celine em Antes do Pôr do Sol (2004). E este tempo todo parece que só fez bem não apenas ao casal, mas também aos seus intérpretes, Julie Delpy e Ethan Hawke, mais afiados do que nunca em Antes da Meia-Noite, mais uma vez dirigido por Richard Linklater. Se este capítulo encerrar a trajetória da dupla no cinema, será o final perfeito de uma história de amor iniciada há 18 anos em Antes do Amanhecer (1995).

Não há muito que se possa falar da produção sem que seja um spoiler. O que dá pra dizer é que, desta vez, o casal está na Grécia, ambos já nos seus 40 anos. Com tanto tempo juntos, é óbvio que não faltam histórias e, principalmente, sentimentos e desejos reprimidos expressos através de alfinetadas. Uma rotina estabelecida que pode afetar (ou não) a dinâmica de Jesse e Celine. A ação se passa em um dia inteiro, no final das férias dos dois na casa de um famoso escritor em uma pequena cidade grega.

Situações consideradas banais são tratadas com maestria pelo roteiro perfeito, escrito a seis mãos pela dupla de atores e pelo diretor. A insegurança e as explosões emocionais dela tornam-se épicas perante a passividade e o romantismo dele. Ao mesmo tempo, estar longe do filho faz Jesse mais questionador de sua situação como pai, assim como Celine tem uma certa relutância quanto ao que opinar sobre os atos do parceiro em relação a isto – mesmo que ela pareça extremamente segura num primeiro momento.

Jesse e Celine representam não apenas qualquer casal da vida real, mas também o diálogo (e também o confronto) de duas culturas tão diferentes, a americana e a francesa. O pudor dele e a excentricidade dela entram em choque a todo momento, mesmo que se saiba que isto é apenas um dos tantos motivos que os fizeram se sentir atraídos um pelo outro desde aquela viagem de trem há 18 anos. Por isso mesmo, suas calorosas discussões se tornam mais sofridas, porém não derradeiras. É também por conta de suas personalidades tão complexas e antagônicas que o espectador volta a se apaixonar pelo casal - se é que um dia deixou de sentir qualquer outra coisa pelos personagens de Delpy e Hawke.

À medida que o dia vai passando e a noite chegando o público vê como as verdades por trás dos atos dos dois são reveladas.  Como não haver dúvidas sobre os sentimentos que temos pelo(a) companheiro(a) após tanto tempo unidos? A parceria e o entendimento parecem estar lá a todo momento. Mas como ambos ressaltam em um certo momento do filme, com tantas responsabilidades que a vida doméstica traz, como aproveitar um momento fugaz para uma simples conversa? Ou melhor, para uma discussão relevante sobre o dia a dia do casal? Afinal, eles foram fiéis um ao outro neste tempo todo? Ele nunca mais sentiu vontade de ficar com outras mulheres na sua eterna busca do mito romântico? E ela, mais afeita a uma certa racionalidade quanto ao amor e ao sexo (algo que entra em conflito com sua personalidade explosiva), não teria “pulado a cerca” alguma vez? Discussões que não ficam apenas no campo da fidelidade, mas em tudo, até na presença (ou ausência) de um dos dois em relação aos filhos. E é nestes momentos quando o filme pega fogo que a câmera de Linklater sabe ser invasiva como nunca, porém sabendo respeitar o limite daquela intimidade desnudada na tela.

Neste que é o mais longo dos capítulos da vida de Jesse e Celine, diálogos não faltam em atuações soberbas de Delpy e Hawke. Como sempre, conversas deliciosas, repletas de esperança, carinhoso, cumplicidade e, claro, mágoas também. E para quem não viu os dois filmes anteriores (uma quase blasfêmia), o roteiro lembra, de maneira genial, em diversos diálogos com amigos do casal, durante uma janta e através de citações a livros, como ambos se conheceram. Quando as luzes se acendem, o que o espectador quer é mais. Mais Celine, mais Jesse, mais Antes... de alguma coisa. Agora, resta esperar que, em mais nove anos, a história possa continuar. Porque entre idas e vindas, discussões e reconciliações, o que todos querem é viver um amor como aquele. Nem perfeito ou ideal, mas perto disso. Antes da Meia-Noite é um presente digno de aplausos sobre o verdadeiro sentimento que une duas pessoas, na realidade ou na ficção.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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