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Sinopse

Durante a guerra russo-japonesa, em 1904, Sergey Karenin, o chefe de um hospital, descobre que um dos oficiais feridos é o conde Vronsky, a pessoa que arruinou sua mãe, Anna Karenina. Agora, ele procura informações sobre o amante da mãe, e o que a levou a desistir precocemente da vida.

Crítica

Estamos diante de um drama romântico com tintas refinadas, daqueles vistos cada vez menos no cinema. Anna Karenina: A História de Vrosnky é um primo distante do clássico Doutor Jivago (1965). Ambos, guardadas as devidas proporções, ressaltam percalços passionais em meio a conflitos históricos. Aqui, micro e macro se desenvolvem paralelamente na trama orquestrada pelo cineasta Karen Shakhnazarov, com base nos romances Anna Karenina, de León Tolstói, e Notas de um Médico Sobre a Guerra Russo-Japonesa, de Vikenty Veresaev. O protagonista é Vronsky (Max Matveev), oficial do exército russo que conta suas pregressas experiências amorosas, num acampamento na Manchúria, para o então adulto e respeitável filho de sua outrora amante, Anna (Elizaveta Boyarskaya). A suntuosidade da produção sobressai desde os primeiros momentos, por meio da meticulosidade da direção de arte e da beleza dos figurinos que ajudam a remontar à época. Tal conjunto gera a consistência da atmosfera, com o apuro se encarregando de certificar a genuinidade da hipocrisia burguesa e do desalento das paragens militares.

A elegância do plano-sequência que apresenta as duras circunstâncias no local hostil onde o encontro improvável acontece dá o tom da esmerada construção narrativa de Anna Karenina: A História de Vrosnky. A câmera desliza pelos espaços a fim de capturar tanto as representações físicas quanto a forte influência dos meios nos indivíduos. Sergey (Kirill Grebenshchikov), rebento amargurado, agora na condição de médico competente e respeitado, acessa fragmentos da existência de Anna, da mãe que praticou suicídio após enredar-se pelo nobre, então colocando sua rotina doméstica de cabeça para baixo. Dentro de palácios ornamentados para denotar poder e riqueza, desenvolve-se um amor que desafia as brutas convenções vigentes no ocaso do século XIX. Embora a perspectiva deste filme seja a de Vrosnky, o realizador confere tempo suficiente para acompanharmos o calvário particular de Anna, sua luta contra o marido ofendido, Karenin (Vitaliy Kishchenko), e as dificuldades posteriores para sustentar uma relação pela qual lutou bravamente.

Anna Karenina: A História de Vrosnky perde um pouco de sua profundidade ao tornar rarefeita, ou simplesmente protocolar, a dinâmica antes estabelecida entre passado e presente. Sergey é deixando gradativamente em segundo plano, o que priva o longa de desenhar, a partir da fricção entre contador e ouvinte, uma linha de observação constante, potencialmente basilar. A atuação do doutor passa a ser infelizmente esporádica e periférica, porque Karen Shakhnazarov volta suas lentes ao desenrolar da paixão que desafia as regras da alta sociedade russa. Sequências marcadas pela emoção, como a preocupação de Anna com a integridade física do conde após um acidente – o que acelera o conflito provocado pelos ciúmes e pelas vergonhas de Karenin –, são imprescindíveis ao timbre adotado, pois demonstram o sufocamento do carinho por regras não escritas da coletividade fundamentada na manutenção das aparências. Há sensibilidade suficiente para, por exemplo, inverter uma lógica erótica, impregnando de lascívia o vestir da amada, preterindo, assim, a exposição do ato de despi-la.

Karen Shakhnazarov utiliza inteligentemente as elipses para objetivar, promovendo concomitantemente o encadeamento de várias cenas extensas e contemplativas, cuja recorrência não traz consigo sobrecarga. Contribui para isso, também, a composição dos quadros, a disposição precisa dos elementos, sem deslumbramento demasiado pelos artifícios. Anna Karenina: A História de Vrosnky, mesmo perdendo vitalidade no decorrer do enredo, submete a grandiosidade do escopo à centralidade dos infortúnios, sobretudo o das pessoas atravessadas pela impossibilidade de vivenciar elos afetivos de maneira plena. A presença da jovem chinesa, desamparada na iminência da chegada dos japoneses que rivalizam com os russos na Manchúria, remete à vulnerabilidade com a qual Vrosnky se deparou no ontem doloroso, não especificamente de Anna, forte ao ponto de enfrentar obstáculos para voltar a pulsar, mas da estrutura que levou o amor a sucumbir, deixando para trás melancolia. Antes tarde do que nunca, méritos ao integralmente competente elenco, que expressa a densidade desses personagens deveras trágicos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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