Crítica
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Sinopse
Mathilde, uma menina de nove anos, cujos pais são separados, vive com a mãe, uma pessoa descontrolada, sempre à beira de uma colapso psicológico. Para todos, ela não passa de uma louca, mas a filha, que preserva com ela uma sincera relação de afeto, fará de tudo o que pode para conseguir a recuperação da mulher.
Crítica
Selecionado para o My French Film Festival 2019, Amanhã e Todos os Outros Dias fala de um amor familiar constantemente posto à prova, sobretudo em virtude da frágil saúde mental da mulher interpretada por Noémie Lvovsky. Seu olhar perdido, mirando ao longe até nas conversas corriqueiras sobre o comportamento ensimesmado da pequena Mathilde (Luce Rodriguez) na escola, denota, desde o princípio, a existência de um evidente distúrbio, possivelmente de ordem psiquiátrica. Portanto, há um severo entrave no cotidiano de responsabilidades, inclusive maternas, que lhe cabe. Todavia, a protagonista do longa-metragem, também escrito e dirigido por Lvovsky, é essa filha, criança de nove anos de idade cuja resiliência passa inequivocamente pela maneira como transforma sofrimento e dúvida em ludicidade. Isso é visto na história contada para a mãe, centrada numa menina confinada no fundo do lago, para desespero de sua genitora transmutada numa cadela magra, e aparece, igualmente, nos diários diálogos com a coruja de estimação.
De início, parece que Amanhã e Todos os Outros Dias vai permanecer empenhado nas constantes fugas simbólicas de Mathilde, episódios alternados com demonstrações de uma empatia infantil comovente. Um dos mais bonitos exemplos disso é a forma como ela encara a exposição fria do esqueleto na escola, diferentemente dos colegas, que tiram sarro e querem brincar com aquilo, sentindo profundo respeito pelo humano que a ossada sustentou outrora. Noémie Lvovsky desenvolve a trama a partir do desencanto que gradativamente toma conta da rotina infante. Sutilmente, as histórias inventadas e as vistas grossas feitas aos comportamentos incomuns da mãe vão perdendo efetividade diante da realidade árdua e inevitável que aponta a uma doença com ares de depressão grave. A dúvida quanto à hereditariedade permanece, trazendo tensão ao decurso do enredo. É, porém, maior a sensação de que os escapes da criança, assim como suas crises de ansiedade e agressividade, têm mais a ver com mecanismos naturalmente criados para suportar o que lhe aflige.
Amanhã e Todos os Outros Dias é uma produção com poucos personagens, passada em cenários logo tornados íntimos, focada no desvelamento desse afeto que faz a menina, mesmo diante da conjuntura de complexidade além da sua meninice, olhar a mãe com uma tocante devoção e carinho. Luce Rodriguez exibe um desempenho muito bonito, especialmente nos momentos em que é deixada sozinha em cena, ou praticamente, vide os colóquios espirituosos com o animal de estimação. A coruja funciona figurativa e literalmente – a dúvida não é dirimida de todo – como a voz de sabedoria frequentemente a guiando rumo à racionalidade que falta à adulta, de acordo com as convenções, responsável por ela. Noémie Lvovsky, na condição de intérprete, se encarrega de nos oferecer o abismo em que a Sra. Zasinger se encontra. A gravidade, o fato da personagem beirar um colapso nervoso, nos chega forte pela dramaticidade expressa no semblante carregado de angústia.
Sem apostar em explicações, Noémie Lvovsky sustenta a narrativa justamente na resistência da menina às turbulências circundantes. Ela encontra forças para não deixar a mãe sucumbir demasiadamente à tristeza que anuvia seu olhar amortecido pelo distúrbio. Mathieu Amalric, que interpreta o pai/ex-marido, surge com delicadeza para contrapor a confusão impressa no comportamento da então adulta mais próxima. A ele Mathilde responde como filha, não precisando incorrer, por exemplo, em jogos de inversão para estabelecer uma dinâmica aparentemente mais “normal”. A cena dela brincando de acatar e distribuir ordens durante o banho é bela e dolorosa em semelhante medida. Singelo, Amanhã e Todos os Outros Dias possui texto simples, porém repleto de camadas subjacentes, estas ancoradas nas rotas de fuga desenhadas por uma criança para aguentar as sombras da realidade e na prevalente e doce sensibilidade que torna Mathilde única e cativante.
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