Crítica


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Sinopse

Duas irmãs viajam para mergulhar juntas. No entanto, o que era para ser uma jornada feliz se torna uma corrida contra o tempo quando uma delas se vê presa no fundo do mar.

Crítica

Pelo seu estilo de negócio, que prevê uma múltipla atuação nos mais diversos mercados – entenda-se: países – por onde está disponível, a Netflix tem servido também não apenas como forma de distribuição e exibição, mas também como produção de conteúdos em todos esses lugares. O maior problema, no entanto, é que independe se o filme ou série é feito na Índia ou no Brasil, na Nigéria ou nos Estados Unidos, na Finlândia ou na Argentina: todos acabam muito parecidos entre si, pois a cartilha de como trabalhar para a plataforma de streaming é a mesma. O que começa a se perceber agora, no entanto, é que essa mesma estratégia tem se repetido também em suas concorrentes: perde-se o caráter local em nome de uma suposta globalização, que surge pelo estímulo de se alcançar o maior público possível. É o que se verifica, por exemplo, nesse Além das Profundezas, longa norueguês tão desprovido de uma identidade própria que muito bem poderia ter sua ação ocorrendo nos mares de Santa Catarina que pouco diferença faria. Nesse processo, torna-se tão genérico quanto qualquer um dos seus inúmeros similares.

Não há muito mistério a respeito da trama do longa escrito e dirigido por Joachim Hedén. O que chama atenção, porém, é perceber que foi um homem o responsável não apenas pela ideia, mas também pela execução dessa história que que conta basicamente apenas com personagens femininas. O que faz com condescendência e nítida cegueira – está mais interessado no estereótipo que tais figuras trazem consigo do que numa suposta verdade que poderiam apresentar. São tipos frágeis, a despeito das atividades que empreendem, e envoltas por um psicologismo ainda mais óbvio, que à medida que o enredo avança se torna cada vez mais difícil de se sustentar. É tudo tão imediato, num ciclo de ação e reação tão banal que cada passo resulta em algo possível de se antever sem muito esforço.

Ida (Moa Gammel) é uma mergulhadora profissional que vem enfrentando um momento difícil em sua vida particular: ela e o marido não mais dormem juntos, e os filhos começam a questionar por mais quanto tempo aquela família permanecerá junta. Esse retrato, oferecido através de diálogos expositivos e ligeiros, serve apenas para reforçar uma personalidade que, ao invés de aventureira e arriscada, se mostra insegura e receosa diante dos desafios que deveriam lhe ser cotidianos. Tuva (Madeleine Martin), sua irmã mais nova, apesar de ter seguido pela mesma profissão, tem um perfil mais ousado – como a sequência que a mostra limpando uma hélice submersa de um navio é eficiente em registrar. Mesmo com as diferenças entre elas, seguem conectadas. Pois é nessa relação que Hedén está interessado.

Afinal, como o prólogo se encarrega de colocar em evidência, a mãe de ambas é uma influência forte que as persegue até hoje. Desde crianças as meninas tinham como hábito mergulhar, provavelmente pelo exemplo materno, que também tinha na prática um interesse que ia além do mero exercício ou passatempo. Quando o espectador é apresentado às duas, porém, o momento é tenso: a mais nova por pouco não se afoga, e é a mãe, chamada às pressas, quem a salva – mas não sem antes culpar a primogênita pelo acidente que por pouco não aconteceu: “você deveria ter cuidado dela, se algo tivesse acontecido, a culpa teria sido sua”. Uma responsabilidade grande demais para alguém tão jovem. Focado apenas nessa conexão simplista e no perigo que se anuncia desde os primeiros instantes, a narrativa se esquiva de questionamentos relevantes. Afinal, onde estava essa mulher quando suas garotas decidem cair na água sem o preparo ou cuidados necessários?

Todo esse preâmbulo, no entanto, dura menos de 20 minutos. Na hora seguinte o enredo se ocupa de mostrar as irmãs, já adultas, em uma expedição subaquática que dá muito errado: próximas da costa, uma precipitação montanhosa se desloca em uma avalanche, e um dos rochedos cai sobre elas, prendendo a mais nova no fundo. Caberá a outra, portanto, os esforços necessários para salvá-la. Não se trata de um argumento particularmente novo, mas se bem executado, poderia render passagens envolventes, de adrenalina e revelações. É com pesar que se verifica que tal proposta, no entanto, não se concretiza. Com diálogos banais do tipo “se mamãe estivesse aqui ela saberia o que fazer”, inacreditáveis nesse contexto e situação, Além das Profundezas termina por se perder até na mais rasa de suas intenções, revelando-se não apenas descartável, mas acima de tudo irrelevante.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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