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Sinopse

Muriel leva uma vida tranquila no haras da família. Ela se emociona quando Alex, seu neto, aparece para passar alguns dias com ela, antes de se mudar para o Canadá. O comportamento estranho do rapaz, no entanto, logo desperta suspeitas nela, que descobre mentiras dele.

Crítica

Vou a caminho da luz, pois estou pronto para dizer adeus à noite”. É com essa frase que Alex se despede da avó, Muriel, na carta que escreve a ela antes de partir. Ele está indo para não mais voltar. A sua intenção, no entanto, não é abandonar algo – ou alguém – que imagina que lhe fará falta. O que busca, em última instância, é fazer diferença. E se onde está isso não lhe parece possível, está determinado a mudar. De vida, de origem, de religião. Quer começar de novo, mesmo que esse início seja limitado. Pois é a intolerância e o radicalismo que se encontram no centro das ações de Adeus à Noite, longa escrito e dirigido por André Téchiné e exibido fora de competição no Festival de Berlim 2019.

É curioso – e típico de uma produção europeia – que o protagonismo do filme não esteja naquele parte, mas, sim, naquela que fica. Não é o olhar do jovem o único a despertar interesse. O foco maior estará na reação dessa mulher que terá que lidar com as consequências da descoberta da verdadeira natureza do neto. Para tanto, Téchiné se reuniu mais uma vez com uma das suas principais parceiras, a diva francesa Catherine Deneuve. Os dois já trabalharam juntos quase uma dezena de vezes – a mais recente foi em O Homem que Elas Amavam Demais (2014) – e esse entendimento prévio entre os dois é crucial para o desenvolvimento da trama. Sua Muriel é desprovida de traços marcantes: é uma mulher da lida, que comanda quase sozinha uma fazenda com aras e plantação de cerejeiras. O marido já morreu, assim como a filha. Sobrou apenas esse rapaz, com quem esboça tentativas de aproximação, sempre respeitando os limites de cada um. Até perceber que talvez seja tarde demais.

Quando o jovem retorna ao convívio familiar, dias antes de uma anunciada viagem ao Canadá, a matriarca primeiro reage com um discreto sorriso no olhar. Aos poucos, no entanto, começa a perceber que algo está errado. Alex (Kacey Mottet Klein, de Troca de Rainhas, 2017) está ali devido a uma agenda particular. Apaixonado por Lila (Oulaya Amamra, de Divinas, 2016), por ela se converteu ao Islamismo – ou, como ele diz, foi ela a responsável por ter-lhe ‘aberto’ os olhos. A garota, que mora na região, o aguarda para, juntos, irem para a Síria. Lá, pretendem se engajar na luta armada – ou seja, tornando-se, ambos, terroristas internacionais. Quando Muriel percebe o que está se passando diante de si, recorre à medidas extremas, muitas não muito bem sucedidas. Há pouco o que pode fazer. Descobrir como agir, portanto, é o seu maior desafio.

Téchiné coloca em cena um tema controverso: o surgimento da revolta. Como um rapaz, aparentemente bem nascido, que sempre teve de tudo a seu alcance, criado dentro de uma realidade ocidental, pode ser levado à tamanha mudança de perspectiva? Este não é um evento isolado, restrito ao campo da ficção – cada vez mais casos semelhantes tem ocupado espaço nos jornais diários, em todo o mundo. O discurso, como se percebe, é urgente. Ao mesmo tempo, soa por demais estranho a um modo de ser tradicional. Assim, se demonstra indeciso entre o mergulho nesta possibilidade distante e o didatismo exagerado, quase um catequismo de formação. Ensinar é preciso, mas este processo se dá mais pelo exemplo e menos pelo discurso. Esta é diferença que faria deste um filme relevante, e não meramente pontual.

Há questões técnicas que também prejudicam o conjunto. Uma edição apressada, que atropela momentos cruciais, ganha evidência quando se apresenta à serviço de um roteiro truncado, irregular na maior parte do tempo. Ganha pontos no embate entre avó e neto, mas perde ao inserir coadjuvantes cuja função é apenas servir de apoio ao espectador desatento. Assim, momentos marcantes, como a dança de Chandelier, da Sia, intercalada pela doutrinação obtusa, perdem força por se verem dispersos entre desencontros e soluções esquemáticas. Adeus à Noite é um sinal de alerta que funciona como aviso diante dos perigos do mundo contemporâneo, mas é ainda mais preciso enquanto reflexo de um cineasta ainda motivado, porém resistente a abandonar sua própria zona de conforto.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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