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Sinopse

Em 1953, treze anos depois do início da célebre “Marcha para o Oeste”, os indigenistas irmãos Villas-Boas encontram, entre os índios Kaiapó, o jovem João Kramura, um branco roubado de seus parentes e criado na tribo. Através do índio Funi-ô Thini-á, reconstitui-se a história de João e também a do próprio Thini-á, que compartilha o mesmo trânsito atribulado entre dois mundos. Seguindo os passos de João, que encontra ressonância nos de Thini-á, colocam-se em cheque a ruptura da cultura indígena diante da invasão branca e a evolução dos conceitos de antropólogos e indigenistas ao longo de 60 anos.

Crítica

Quando um documentarista aborda uma realidade muito estranha à sua, surge uma relação curiosa entre o realizador e seus personagens. A história é sempre contada com um inevitável distanciamento, visto que ela necessariamente tomará a perspectiva de alguém de fora que tenta se aproximar de um contexto sociocultural diferente do seu, mas é incapaz de compreendê-lo da mesma forma que as pessoas nele inseridas. Para tentar driblar esse problema, Fabian Remy, diretor deste A Terceira Margem, procura estruturar sua narrativa a partir do olhar de outra pessoa: um intermediário intimamente ligado ao tema central da obra, alguém capaz de transpor as barreiras da linguagem e da experiência e que, no processo, acaba tornando-se também um personagem.

O documentário investiga o extraordinário caso de João Kramura, um homem branco raptado por índios quando criança e criado de acordo com os costumes da tribo. João foi descoberto pelos irmãos Villas-Boas durante os primeiros contatos entre os indigenistas e o povo Caiapó, às margens do Rio Xingu, na década de 1950. Devolvido a seus parentes depois de adulto, não consegue se readaptar à vida fora da tribo e eventualmente retorna à aldeia, onde fica até seu falecimento, em 2005. O filme documenta uma viagem ao Brasil central em busca dos rastros de Kramura feita ao lado de Thini-á, um índio Fulni-ô que deixou sua aldeia aos quinze anos para viver em grandes metrópoles.

Thini-á e João nunca se conheceram; os Caiapós e Fulni-ôs são grupos indígenas completamente diferentes, tanto geograficamente quanto do ponto de vista étnico e cultural. Há, entretanto, uma conexão muito forte entre os dois homens, algo que transparece nas entrevistas realizadas por Thini-á e nos depoimentos que a montagem entrecorta com a narrativa central. Ambos são pessoas divididas entre dois universos distintos, ainda que sigam caminhos inversos: João, nascido entre os brancos, encontra seu lugar e sua nova família numa tribo indígena; Thini-á renuncia à vida na aldeia depois de um grande trauma, mas sempre se sente puxado de volta para o seio familiar, retornando anualmente para o tradicional (e secreto) ritual Fulni-ô, o ouricuri.

A jornada dos dois homens transforma-se, também, numa espécie de retrato dos contrastes que marcam os povos indígenas remanescentes no Brasil do século XXI. Se por um lado há um forte senso de identidade e preservação da cultura que remete à época da colonização – um dos entrevistados aponta, inclusive, os primeiros encontros entre portugueses e indígenas para explicar sua justificável desconfiança com o homem branco – há, também, uma visível adoção dos costumes da "civilização". Há entrevistados que falam apenas o idioma caiapó, mas usam roupas comuns, enquanto outros indígenas dominam o português, embora não abram mão de seus rituais tradicionais. Visualmente primoroso, A Terceira Margem começa como uma simples documentação de uma história curiosa, mas acaba se transformando numa análise sensível sobre identidade e comunidade.

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cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
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