Crítica


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Sinopse

Juliet Ashton é uma escritora na Londres de 1946 que decide visitar Guernsey, uma das Ilhas do Canal invadidas pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, depois que recebe uma carta de um fazendeiro contando sobre como um clube do livro local foi fundado durante a guerra. Lá constrói profundos relacionamentos com os moradores da ilha e decide escrever um livro sobre as experiências deles durante o conflito.

Crítica

Durante as Segunda Guerra Mundial, os alemães tomaram conta de quase toda a Europa, com uma notável exceção: o Reino Unido. No entanto, nem todos os britânicos podem afirmar que se mantiveram à parte da influência germânica durante o conflito. A pequena ilha de Guernsey, situada no Canal da Mancha, por sua posição estratégica, chegou a ser ocupada pelos militantes do Eixo. Esse período sombrio da história inglesa é resgatado em A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata, drama romântico baseado no livro de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows e dirigido pelo veterano Mike Newell, responsável por sucessos como o oscarizável Quatro Casamentos e um Funeral (1994) e o campeão de bilheterias Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005). E se o título estranho – e comprido – chama atenção, o resultado fica no meio termo entre o bom artesanato e a utilização competente de elementos facilmente reconhecíveis, que se por um lado levam a um desfecho imaginado, ao menos garantem o interesse durante o seu desenrolar graças a algumas partes isoladas, como boas atuações e um enredo que respeita a inteligência do espectador, sem abrir mão, no entanto, de fórmulas prontas – e já um pouco desgastadas.

Em 1941, acompanhamos um grupo de moradores de Guernsey que, ao serem confrontados por oficiais alemães, acabam, acidentalmente, inventando a tal Sociedade Literária e a Torta da Casca de Batata. A explicação é simples. Logo que a ocupação se deu, muito foi confiscado, inclusive em víveres – e o pobre criador de porcos Dawsey Adams (Michiel Huisman) se viu sem ter o que fazer. O que sobrou a ele e aos demais moradores foram nada menos do que batatas. E após tantas receitas, chegou-se à curiosa Torta de Casca de Batata, uma mistura intragável que só poderia ser enfrentada diante do quadro de imensa fome e busca por qualquer tipo de variedade. A criação de Eben Ramsey (Tom Courtenay), chefe dos Correios, acaba por se tornar uma piada particular, e quando um último suíno é encontrado ainda vivo – e em boas condições, um encontro secreto é organizado às pressas para que os mais chegados possam desfrutar do banquete.

Cinco anos depois, Adams começa a se corresponder com a escritora Juliet Ashton (Lily James) atrás de dicas para darem continuidade a eventual Sociedade Literária que, por fim, acabou se formando. Afinal, ela, de Londres, teria melhores condições para ajudá-los, uma vez que na isolada ilha nenhuma livraria ou biblioteca havia sobrevivido. Motivada pela paixão por algo em comum, a autora em busca de novas inspirações acaba deixando noivo (Glen Powell) e editor (Matthew Goode) para ir conhecê-los. A intenção era passar um fim de semana, mas a estadia acabou se estendendo mais do que o inicialmente planejado. O motivo para isso? Não apenas a empatia que desenvolve com os novos amigos, mas também o mistério que existe ao redor da pequena Kit (Florence Keen). Filha da ausente Elizabeth McKenna (Jessica Brown Findlay), é criada por Dawsey e pelos demais colegas leitores, como a senhora Amelia Maugery (Penelope Wilton) ou a solteirona Isola Pribby (Katherine Parkinson). Onde está a mãe da menina? Por que se uniram para cuidar da pequena? E qual a razão dos outros habitantes da ilha não se aproximarem da criança?

Mais do que um jogo literário, o que se acompanha em cena é um intrincado quebra-cabeças, cujas peças vão sendo entregues – e reveladas – com parcimônia e sem atropelo. Isso é mérito tanto do roteiro de Don Roos (Marley & Eu, 2008), Kevin Hood (Amor e Inocência, 2007) e Thomas Bezucha (Tudo em Família, 2005), quanto da montagem engenhosa de Paul Tothill (Desejo e Reparação, 2007). A história vai se desenvolvendo em paralelo durante a ocupação, quando vamos, aos poucos, ficando a par do que aconteceu com Elizabeth, e também no tempo presente (1946, portanto), neste mergulho de Juliet dentro daquela realidade tão distante da qual estava habituada, mas, ao mesmo tempo, necessária para lhe alertar a respeito de novas possibilidades para sua própria vida. Não será nenhum gênio aquele que rapidamente perceber que os planos que ela tinha antes da viagem logo serão refeitos, para desagravo de uns, e felicidade de outros.

Com uma atuação segura de Lily James (que conquistou um papel disputado por nomes como Kate Winslet e Rosamund Pike) e uma ambientação que fará a felicidade dos saudosos fãs da série Downton Abbey (2010-2016) – e as presenças de Findlay, Goode, Wilton e da própria James irão reforçar esse sentimento – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata talvez desaponte aqueles atrás de desenlaces mais arrebatadores – o romance entre James e Huisman custa a engrenar, enquanto que o compromisso dela com Powell não chega a empolgar ninguém – ao mesmo tempo em que faz pouco uso da presença de atores de renome, como Goode (desperdiçado como uma figura que não é mais do que um clichê) ou Courtenay (ator dono de duas indicações ao Oscar e recentemente premiado em Berlim pela emocionante atuação em 45 Anos, 2015). Ainda assim, é uma diversão honesta, tanto para os admiradores do gênero, quanto para aqueles em busca de uma novela que respeite tanto as diretrizes literárias quanto os parâmetros da dura – e muitas vezes injusta – realidade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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