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Sinopse

Crítica

O protagonista de A Rota Selvagem é Charlie (Charlie Plummer), adolescente que se mudou recentemente para uma nova cidade na companhia do pai solteiro, com quem tem uma convivência bastante carinhosa. O cineasta Andrew Haigh não constrói, no entanto, uma ideia de lar perfeitamente adequado e ordeiro, uma vez que, por exemplo, o menino é criado relativamente solto. Seu progenitor, vivido por Travis Fimmel, a despeito da desorganização e de certa inconsequência, obviamente dispensa atenção ao filho, fornecendo-lhe afeto e segurança. Atleta por hobby, o garoto encontra trabalho numa pista de corrida de cavalos, fazendo serviços triviais para Del (Steve Buscemi), inequivocamente complementar à figura paterna, ocupando espaços negligenciados, como a determinação laboral e a disciplina. Essa associação um tanto evidente demais se repete na afinidade que o jovem desenvolve com Pete, cavalo constantemente menosprezado, tido como animal para páreos fáceis e, por isso mesmo, preterido, castigado para sobressair.

A Rota Selvagem aproxima Charlie e Pete, exatamente por espelhar no percurso do equino a miserabilidade que inadvertidamente atravessa as experiências do novato. Charlie Plummer é o grande destaque do longa-metragem, com uma construção segura e sensível desse personagem cujo crescimento se dá aos poucos, infelizmente mediado por infortúnios subsequentes. A joqueta interpretada por Chloë Sevigny também é utilizada para cobrir certos espaços carentes, nesse sentido configurando uma presença feminina. Portanto, ela desempenha a função de mãe ou de irmã mais velha, tratando de alertar à necessidade de não se apegar demasiadamente ao cavalo rapidamente de estimação. Essas dinâmicas telegrafadas acentuam um esquematismo que, infelizmente, enfraquece a dramaturgia, embora seja envolvente a delineação dos vínculos criados fora do âmbito doméstico. Tudo muda com a tragédia, pois, entre outras coisas, há a aceleração do desgarramento do ninho.

Na primeira hora de A Rota Selvagem muita coisa acontece. Há um empilhamento de situações-chave, com os reveses sofridos se acumulando. Charlie se depara com um lado menos bonito das pessoas, tomando as atitudes intempestivas que seu ímpeto juvenil permite, fazendo das tripas coração para permanecer fiel aos seus ideais. Andrew Haigh, então, promove uma guinada que altera drasticamente a estrutura do filme, pois o protagonista passa a ser visto em sua quase completa solidão, condição que amplifica a dramaticidade da conjuntura. Em diversos instantes há um flerte incômodo com o piegas, contradição contraproducente, especialmente se levarmos em conta as minúcias sobressalentes até ali. Até a amizade perde espaço para a observação de um amadurecimento forçado, em meio ao qual Charlie é obrigado a negociar com ímpetos de sordidez ainda mais marcados, sem amparo ou alguém para lhe simplificar o caminho. Passamos a um acúmulo de episódios degradantes.

A Rota Selvagem depende do desempenho de seu protagonista. Charlie Plummer carrega com louvores esse fardo, conferindo espessura ao personagem instado a virar-se sem suporte. Porém, a mudança propiciada pelo arcabouço do roteiro – de algo localizado e bem delineado a uma sucessão de encontros pretensamente aleatórios – não faz bem ao conjunto, dirimindo potenciais expressivos e o aproximando dos lugares-comuns. A ausência de coadjuvantes de peso na segunda parte do filme faz diferença, especialmente porque Andrew Haigh não dá conta de sustentar devidamente a potência de um itinerário ermo. O andamento é bastante claro, com o protagonista gradativamente perdendo suas referências, deparando-se com circunstâncias aparentemente irrevogáveis, como a falta de comida e dinheiro para sustentar-se. Estendendo-se mais que o necessário em vários instantes, o cineasta permite uma oscilação nem sempre produtiva, mas consegue fazer um longa com graus de beleza notórios.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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