A Pior Pessoa do Mundo

16 ANOS 128 minutos
Direção:
Título original: Verdens verste menneske
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Ano: 0708
País de origem: Noruega / França / Suécia / Dinamarca

Crítica

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Sinopse

Prestes a completar 30 anos, Julie não parece tão realmente próxima de se aquietar. Quando imagina ter conseguido alguma estabilidade em seu relacionamento amoroso com o escritor Aksel, ela conhece o jovem e bonito Eivind.

Crítica

Qualquer ser humano, homem ou mulher, que já tenha levado um fora de alguém, sabe quem é, ao menos naquele instante, ‘a pior pessoa do mundo’. Esse sentimento, extrapolado pelo superlativo, diz muito a respeito da relação de um com o outro, do que ficou para trás e daquele que partiu para uma nova oportunidade, seja sozinho ou investindo no que a vida apresenta – se possibilidades melhores ou piores, a questão é particular. Para Julie, o peso que ser carimbada dessa forma pelo ex não é visto de forma leviana, mas também não pode ser censor de gestos e atitudes. Afinal, sabe que seu maior compromisso é consigo mesma, e não com quem, eventualmente, se encontre ao seu lado. A Pior Pessoa do Mundo investiga não apenas o impacto dessas decisões naqueles que são afetados, mas, acima de tudo, as origens dessas motivações e também as consequências que delas se acarretarão. E de uma forma ao mesmo tempo direta e original, sem ousar além da conta, mas também não acomodada em um lugar-comum limitador.

Julie espera muito da vida. Aos poucos, à medida em que amadurece, porém, vai se resignando com escolhas menos ambiciosas – e, por isso mesmo, que lhe exigem menor esforço. De estudante de medicina, tempos depois estará trabalhando como atendente em uma livraria. Mas se as opções profissionais parecem levá-la a uma situação de mediocridade, um grito de alerta surge ao perceber que o mesmo pode estar lhe acontecendo no âmbito romântico. Ao conhecer Aksel, homem mais velho e certo dos seus interesses, a honestidade dele lhe é tanto afrodisíaca quanto ludibriante. Ele afirma com todas as letras: “sou mais velho do que você, busco coisas diferentes, nunca vamos dar certo. Melhor pararmos agora que está só no começo”. Mesmo diante dessa determinação, tudo o que ela pensa é o oposto: “foi nesse instante em que tive certeza que estava apaixonada”. Não permite que o companheiro se afaste, que possa se proteger. Sua proximidade vai derrubando as barreiras dele, tornando-o frágil. Um processo que o transforma, principalmente aos olhos dela. Não percebe, mas é ela a causa dele deixar de ser aquele pelo qual se apaixonou.

Porém, faz parte do jogo, e qualquer um que insista em se relacionar sabe que perdas e ganhos estarão pelo caminho. Não é culpa de um, menos ainda do outro. Se agora estão juntos, e o que os une parece ser eterno, com a mesma certeza irá esvanecer, ainda que não por completo. O que permanecerá é aquilo maior, que nem mesmo as piores resoluções poderão apagar por completo. Quando envolvimentos acontecem, a relação entre erros e acertos nunca é justa. Aliás, pelo contrário: a quantidade de enganos e deslizes é maior, justamente porque, quando enfim se acerta, as tentativas são interrompidas. Julie está numa jornada sabidamente longa e tortuosa, e isso não é motivo para desistir. Aksel, Eivind ou outros que cruzaram – ou irão cruzar – pelo seu caminho são sobreviventes de guerra, por mais que algumas dessas trajetórias sejam mais curtas do que outras. É nesse ponto, quando o fim se aproxima, que as avaliações e retomadas podem se fazer presentes. Se acertadas ou não, cabe menos à emoção do momento e mais a um olhar distanciado avaliar com propriedade.

Joachim Trier é um dos nomes mais interessantes do novo cinema europeu, sem os cacoetes herdados por movimentos como o Dogma 95, mas comprometido, sim, com uma linguagem autoral, ainda que passível de maior identificação. Filmes como o hollywoodiano Mais Forte que Bombas (2015), estrelado por Jesse Eisenberg e Isabelle Huppert, ou o hipnótico Thelma (2017), indicado ao Critics Choice Awards, parecem mais ousados em sua narrativa do que esse trabalho recente. Porém, é uma impressão passageira. Está na aparente simplicidade de A Pior Pessoa do Mundo grande parte da sua força, pois é por esse desenho supostamente linear que a expansão do seu discurso ganha novas dimensões. Fala-se de discursos e sentimentos universais, dos quais todos tiveram que lidar, em maior ou menor impacto. Quantos desejaram que o mundo literalmente parasse por um dia inteiro apenas para que uma nova opção pudesse ser experimentada, provada, arriscada? O impossível só se vê como tal quando distante do real. Ao dele se apropriar, as leituras se multiplicam, ampliando acessos e conexões.

Nada disso seria alcançado, também, não fossem os desempenhos afinados de Renate Reinsve (premiada como Melhor Atriz no Festival de Cannes) e Anders Danielsen Lie (premiado como Melhor Ator Coadjuvante pela Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA). Como Julie e Aksel, respectivamente, ambos demonstram um entendimento tão imenso a respeito da influência que seus personagens exercem um no outro e do alcance de suas atitudes que torna difícil não se comover com seus abraços e separações, por mais esperados e naturais que sejam. Ao se apresentar como a vizinha da casa ao lado capaz de se transformar em uma figura tão deslumbrante quanto inesperada, Reinsve oferece esse poder de adaptação a uma figura sempre prestes a entrar em ebulição, ciente da repercussão de suas escolhas, mas ainda assim, incapaz de se sacrificar em nome de uma postura abnegada. Sabe o quão vital é ser sincera consigo, acima de tudo. De sua parte, Danielsen Lie cria um tipo tão seguro quanto repleto de fissuras, emulando uma sensibilidade com a qual a identificação se firma imediata. A Pior Pessoa do Mundo não merece esse título, por mais que tal qualificação lhe seja devida. É na corrida, afinal, que a liberdade se manifesta, como o vento no rosto que nada pede, mas ainda assim, tanto exige.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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