A Outra Pátria

Leitores


Onde Assistir

Sinopse

A Outra Pátria: Na metade do século XIX, a vida está difícil na vila de Schabbach, há pouca comida e trabalho, e muitos questionam se vale a pena abandonar sua terra natal. Entre os preocupados está o jovem camponês Jakob, que lê todos os livros que caem em suas mãos. Ele passa a estudar a língua de povos indígenas primitivos e a sonhar em como seria a vida nas selvas do Brasil. Drama.

Crítica

O coração é um músculo inquieto. Nem mesmo a fome, o frio e as tensões políticas que assolam o vilarejo de Schabbach, na Prússia da metade do século XIX, impedem o coração do jovem Jakob Simon (Jan Schneider) de bater. Pelo contrário. Ao perceber o horizonte sombrio das famílias da região, muitas delas forçadas a emigrarem, deixando para trás um rastro afetivo impossível de compensar na distância, o filho de um ferreiro com uma analfabeta é o símbolo puro da pulsão de um povo.

20140828 02 a outra patria papo de cinema

A Outra Pátria é um trabalho estupendo do diretor Edgar Reitz. Exibido fora de competição no Festival de Veneza de 2013, vencedor do German Film Award em 2014, o longa de quatro horas é a adaptação para o cinema da série Heimat, levada  pelo diretor à televisão desde 1984. Com força cinematográfica poucas vezes vista e atuação destacada de Schneider, o filme recorta parte da História alemã para contar a trajetória do jovem protagonista rumo ao Novo Mundo, em especial ao Brasil e ao Rio Grande do Sul.

Jakob é a revolução social possível somente pelo sangue germânico. Sem rastros de violência e com uma insubordinação recatada, o garoto é a nova mentalidade de um país que se transforma à força. Desamparados pelo Imperador surdo às necessidades da população e oprimidos pela corrosiva carga de impostos, os alemães passam a dizer não para um modelo político vigente completamente injusto e desigual. Como alternativa – por vezes soando próximo ao resgate divino ansiado pela disciplinada fé protestante –, chegam à região notícias de um mundo em que o “inverno inexiste” e a abundância de terras só não é maior do que a necessidade dos governantes do lugar em receber estrangeiros.

Desinteressado por dar continuidade no trabalho paterno – o que significaria dar continuidade à precariedade da vida e resignar-se ao destino ingrato que se afigura – o jovem entrega o tempo livre à paixão pela leitura. Os livros, caminho para as ideias de mudança que tomam conta da Europa, servem como as trombetas dos anjos a anunciar o paraíso na terra – o Novo Mundo. A literatura encontra no peito de Jakob apenas a concorrência de uma jovem. Mas amá-la é tarefa mais árdua do que vencer as páginas.

20140828 10 a outra patria papo de cinema

Para compor o cenário grandioso, Reitz optou pelos matizes do preto e branco, que retiram da narrativa as marcas da época e suspendem a temporalidade. Na composição dos quadros, o tradicional diretor de fotografia alemão Gernot Roll (Lugar Nenhum na África, 2001) fez um trabalho irretocável. Ao procurar constantemente o recurso de combinar o iniciar da cena em plano aberto em movimento com o desfecho no close, em geral de um objeto ou situação secundária, a linguagem de Roll permite ao filme, junto à trilha sonora recorrente, a construção de um épico particular. A união de beleza e agilidade narrativa dá A Outra Pátria os contornos ansiosos do coração juvenil do protagonista.

Por ser um projeto audacioso e realizado em momentos distintos, não pensado exclusivamente para o cinema, o filme encontra aqui e ali algumas dificuldades. Há, por exemplo, uma evidente perda de ritmo entre o primeiro e o terceiro ato. Da mesma formas, as transições – que apostam em fades e sobreposições, remetendo-nos ao cinema do início do século XX – contam com passagens menos naturais e orgânicas, como a de Jakob que, tal qual a donzela dos romances de cavalaria, caminha no leito do rio suspirando pelos governantes brasileiros, responsáveis pelas benesses futuras.

20140828 01 a outra patria papo de cinema

Feito sutis pinceladas imperfeitas, as fraquezas desaparecem frente ao resultado final, como ousa acontecer com os grandes quadros. A debater-se entre o mais puro sentimento de Thoreau e a nostalgia da pátria abandonada, Reitz realiza um filme que procura encontrar o sentimento da despedida. Pois o adeus, nos lembra o protagonista, é natural para todos nós.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
avatar

Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *