Crítica

Cês que são branco”, diz um dos nativos da tribo dos Kadiwéus entrevistado por Lucia Murat, se referindo às pessoas de fora. Em meio ao processo de contato com a eletricidade e com as tecnologias provenientes da mesma, os indígenas mostrados no documentário co-dirigido por Murat e Rodrigo Hinrichsen encontram seus costumes já misturados com a cultura moderna. Embora o longa aborde a questão de forma burocrática, ainda é intrigante ver como, por exemplo, um Kadiwéu que sofre ameaças de morte de preconceituosos encontra abrigo na religião que, primeiramente, foi o que implantou o preconceito nos seus agressores. Esta ironia acusa uma retroalimentação de ódio e medo desse tipo de dogmatismo que é apenas uma das características absorvidas pelos aborígenes enquanto tentam se incluir num mundo que não encontra mais espaço para abrigá-los.

O que é uma afirmação literal. Vivendo em uma reserva, os Kadiwéus têm como um dos principais conflitos abordados pelos cineastas a reconquista de suas terras tomadas por fazendeiros que se recusam a ceder a parcela que é, de direito legal, da tribo. Quando convocados para uma reunião com os atuais donos das terras, um dos caciques propõe que continuem trabalhando nos espaços ocupados em troca de um salário, ao que a esposa de um dos fazendeiros responde: “mas nunca me passou pela cabeça que vocês queriam dinheiro”. Reflexo do nosso próprio tempo, quando um abastado empresário – o que não deixa de ser a proprietária – não imagina que uma população pobre, oprimida e jogada à margem da sociedade vá precisar de dinheiro pra sobreviver.

Porém, embora levante esse tipo de questionamento, o documentário de Murat e Hinrichsen falha em despertar o interesse nos mesmos ao se deixar conduzir por um ritmo e abordagem esquemáticos. De certa forma, o tom reflete a rotina dos índios, mas ao mesmo tempo desrespeita a própria relevância ao inserir nessa narrativa aborrecida temas de tamanha importância. Embora tenha alguns planos belíssimos, esses jamais chegam a justificar o lento andar do conflito dos Kadiwéus ou o entendimento da mixagem de sua cultura com a chegada da tecnologia. Morro do Céu (2009), do Gustavo Spolidoro, por exemplo, também buscava refletir o ambiente ameno e bucólico da uma comunidade afastada no interior de um estado, sem com isso soar pedante ou tedioso como acontece a certos momentos de A Nação Que Não Esperou Por Deus. O problema também se agrava porque o filme jamais chega a humanizar de fato aquelas figuras, embora conte com algumas boas entrevistas – e aquela em que um deles revela seu medo de ir à cidade grande, porque pode ser assassinado, se revela um momento tocante.

Falta aqui um Bruno Storti como tinha Morro do Céu, um protagonista, um ser humano que represente os Kadiwéus que, de outra forma, são generalizados por Murat em sua pressa – conta com pouco mais de uma hora e vinte de duração – e em seu deslumbre com os próprios planos – que devem ter-lhe parecido perfeitos demais para que fossem um pouco mais lapidados. Não que não encantem, mas contam menos do que qualquer membro da tribo poderia lhes relatar, com toda a certeza.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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