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Sinopse

Uma famosa atriz rouba de uma aspirante a escritora o noivo desta, um renomado cirurgião plástico. A noiva rejeitada, após 14 anos de muita tristeza, lança o livro "Eternamente Jovem" e, na noite de autógrafos, está mais linda do que nunca. A mudança radical desperta a atenção de todos, principalmente da antiga inimiga que, sentindo-se cada dia mais velha, acaba indo se consultar com uma mulher bela e misteriosa, dona de uma poção da juventude que proporciona resultados inimagináveis.

Crítica

Um dos menos lembrados filmes do diretor Robert Zemeckis também é aquele ao qual pouco associamos nomes como Meryl Streep, Bruce Willis e Goldie Hawn. O que é compreensível quando um cineasta tem em seu currículo obras impecáveis como a trilogia De Volta para o Futuro e Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994) – pelo qual, aliás, ganhou o Oscar. Além disso, o cineasta é conhecido por ter tido a “ousadia” de se reinventar diversas vezes, e após tantos anos de carreira, chegou a postar em um ramo até então pouco explorado do cinema: as animações feitas através do motion capture, técnica que lhe rendeu ao menos dois filmes bons e um excepcional (O Expresso Polar, 2004). Ainda assim, embora costume ser deixado de lado, A Morte lhe Cai Bem figura com segurança ao lado de todos esses feitos como um dos melhores e mais divertidos trabalhos do realizador.

Estrelado por uma descontraída Meryl Streep, em um papel que facilmente poderia ceder lugar a uma performance over, A Morte Lhe Cai Bem já seria divertido se dependesse apenas dessa protagonista detestável, mas não menos hilária por isso. E se a atriz é amplamente reconhecida por seus papeis dramáticos, é justamente quando a vemos em alguma obra que exige mais de seu timing cômico que percebemos a extensão do seu conhecimento sobre seu próprio corpo e feições. Tal experiência denuncia um constante e admirável estudo da arte de atuar e de si mesma enquanto intérprete, ao contrário de outros profissionais consagrados que depois de um tempo parecem estagnar nas mesmices – hoje em dia até mesmo Kristen Stewart faria às vezes de Robert De Niro interpretando qualquer coisa. Sua Madeline faz rir com os toques mais comuns: o jeito robótico como ensaia um falso sentimento de surpresa por rever uma velha conhecida, como congela a expressão em frieza perscrutando com os olhos e constatando que se encontra em um necrotério, ou mesmo o modo como mexe o pescoço e o busto com um gingado quando se encontra em uma posição de poder em relação à outra pessoa, como se esquecesse momentaneamente de manter a postura ao perceber que está “por cima”.

O filme acompanha a tal estrela, uma atriz decadente que se recusa a aceitar as marcas que a idade lhe traz. Esse comportamento explica seu casamento com um outrora renomado cirurgião plástico, Ernest (Bruce Willis), agora responsável por maquiar cadáveres para funerais. Para piorar tudo, a antiga noiva do homem surge outra vez na vida dos dois. Helen (Goldie Hawn), porém, continua tão – e até mais – bonita e esbelta quanto costumava ser, o que leva a rival a tomar medidas desesperadas, deparando-se com uma solução mística que deve lhe conceder beleza, juventude e vida eterna. E em meio aos vários momentos cômicos e absurdos que esse plot gera, escondem-se tantas outras piadas menores em expressões rápidas ou sutis do elenco, em uma ou outra fala ou mesmo no uso de uma lente grande-angular por parte de Zemeckis. Por exemplo, é divertido constatar que os nomes das duas rivais foram escolhidos apenas para o momento em que ambas se encontram em uma festa e cinicamente se cumprimentam: “Mad?!” “Hel!” dizem elas, soando no inglês dubiamente como cínicos: “Maluca?!” “Inferno!”.

Deste modo, A Morte Lhe Cai Bem busca extrair comicidade de quase todas as suas sequências, não temendo aventurar-se no inusitado para construir habilmente o tom sobrenatural que permeia a narrativa; cães que andam de elevador sozinhos, raios que cortam os céus em momentos dramaticamente oportunos e sinistras freiras que flutuam, detalhes que acabam por pincelar aqui e ali o universo do filme com cores mais místicas, ajudando-o a se estabelecer como um que irá explorar o humor negro através de um texto do gênero. Sem arcos definidos, o projeto parece simplesmente deixar que as necessidades da trama o conduza, sendo que boa parte da montagem se detém em uma única noite. Aliás, outro detalhe que ajuda a fixar este tom fantástico é o fato de que quase todas as suas cenas são noturnas, o que também acaba por isolar seu enredo da realidade cotidiana, inserindo-o o fértil período fantasioso da noite.

Encenado a aventura toda surge o inspirado trio principal de atores. E se já foi ressaltado o trabalho de Streep, é preciso elogiar um pouco Bruce Willis, que com Ernest prova que não só de homens durões e heróis de filmes de ação de que é feita a sua carreira, convencendo justamente por sua sensibilidade ingênua. Willis faz caretas, investe em trejeitos e até mesmo o modo como se retira de cena traumatizado com o que acabou de presenciar é engraçado graças ao seu olhar que mistura espanto e cansaço. Enquanto isso, Goldie Hawn e seus grandes olhos azuis tornam Helen ainda mais sinistra, enquanto a atriz não se poupa tampouco da postura e dos gestos cômicos. Sua expressão corporal ao passar por um portão quase fechando é particularmente divertida, assim como toda a sequência em que está invadindo a casa de Madeline. Somando-se a isso, ainda há uma química invejável entre os três, o que auxilia que embarquemos na sua história.

Porém, todas as outras cenas poderiam empalidecer diante daquela em que as duas, Streep e Hawn, dividem um hilário duelo de pás. E esse é apenas um dos momentos que ficam na memória, pois há ainda uma participação sexy – graças ao seus trajes sempre ousadíssimos – de Isabella Rossellini (a bela filha de Ingrid Bergman e do cineasta Roberto Rossellini) em um clímax tão inusitado quanto o resto da produção, que mistura fantasia e humor em uma crítica descompromissada ao culto dos padrões de beleza. Tudo isso embalado por uma trilha igualmente divertida de Alan Silvestri, habitual colaborador dos filmes de Robert Zemeckis, que com este projeto levaria para casa o segundo Oscar de Melhor Efeitos Visuais por um longa sob sua batuta. Mas não é pelos prêmios que A Morte Lhe Cai Bem deve ser assistido, descoberto e redescoberto, e sim porque se trata de uma obra excepcional, que a cada visita, nos revela mais uma gag escondida num canto e da qual vale a pena rir, assim como de todo o filme em todas as vezes.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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