
Crítica
Leitores
Sinopse
Em A Melhor Mãe do Mundo, a catadora de recicláveis Gal decide fugir dos abusos do marido Leandro após denunciá-lo à polícia. Focada em proteger os filhos, a mulher abandona a casa e para garantir a segurança deles, os faz acreditar que estão vivendo uma grande aventura. Drama.
Crítica
Nenhuma mãe é melhor do que a sua. Cada um terá milhões de motivos para justificar porque sua mãe é melhor do que todas as outras. Ou, ao menos, isso é o que se espera pelo senso comum. Em A Melhor Mãe do Mundo, nenhuma mãe é melhor para Rihanna e João Victor do que Gal, a mulher que os colocou no mundo e deles cuida, protege e a eles se dedica todos os dias. E se por um lado essa é uma verdade absoluta – para as duas crianças não há dúvida – por outro talvez seja um pouco reducionista. Pois Gal é mais do que apenas mãe. Ela é também esposa, trabalhadora, colega, vizinha, torcedora, prima, vítima. Todas essas facetas nela coabitam, juntas e misturadas. Defini-la apenas por um destes aspectos é pouco. E a diretora e roteirista Anna Muylaert sabe disso. Tanto é que faz uso de um apelo universal como título, mas trata de desdobrar sua protagonista em muitas outras ao longo dos seus 105 minutos de trama. Uma miríade enriquecedora tanto para a performance de Shirley Cruz, como para o espectador, que se verá diante de uma obra que vai além do óbvio para resgatar o básico: a condição humana.
A cena de abertura já diz a que veio: Gal está em uma delegacia para mulheres, carregando no rosto um olho roxo, prestes a denunciar o companheiro por agressão. O homem pelo qual é apaixonada e sob o mesmo teto ela e os filhos convivem sacia seus desejos e cuida dos meninos, demonstrando interesse e atendendo pela responsabilidade que tal condição lhe impõe. Porém, basta uma garrafa de cerveja, uma saída com amigos, um olhar torto ou uma recusa marital para que o céu se transforme em inferno. Leandro não está acostumado a receber negativas, e não lhe custa muito partir para violência quando contrariado. Gal está cansada. O corpo acusa o sofrimento, mas não por isso se dá por vencida. A queixa é feita, agora é com a burocracia. A ela cabe cuidar de si e dos seus. Principalmente dos seus. Assim, com as duas crianças debaixo do braço – ou em cima da carroça com a qual a catadora transita pela cidade em busca de materiais para reciclagem – parte em rumo a uma nova vida. E não é só o que deixa para trás, há um percurso a ser feito. A jornada é que transforma, mais do que o destino ao qual se dirigir.
Shirley Cruz é um vulcão contido na maior parte do tempo de A Melhor Mãe do Mundo. Mais conhecida até então por personagens coadjuvantes em filmes como A Vida Invisível (2019) e O Clube das Mulheres de Negócios (2024), aqui ela tem um divisor de águas em sua carreira, assumindo a frente do elenco com uma força hipnotizante. Está tudo no olhar, no gestual, no não dito. E é mais do que suficiente. O Leandro entregue por Seu Jorge não irá desistir fácil da mulher, e o reencontro dos dois responde pelos melhores momentos de ambos em cena. Gal quer aquele homem, mas sabe que não pode mais aceitá-lo. Tanto por si, mas também pela ameaça que começa a se desenhar. Se submete a um primeiro contato, mas assim que o vento mudar de direção, a partida se mostrará a única saída. A torcida que se cria entre a plateia durante essas passagens responde também pelos movimentos conduzidos por Rihanna Barbosa e Benin Ayo, duas revelações capazes de monopolizar as atenções do público a cada aparição. Aqui, os filhos não são meros adereços. São também molas propulsoras da mudança que se faz não apenas necessária, mas urgente.
Anna Muylaert vem conduzindo uma filmografia disposta a investigar um viés feminino longe do convencional. Da senhora cheia de manias à professora de violão que não consegue parar de fumar, da empregada que se vê como parte da família dos patrões a uma troca de bebês que será solucionada muitos anos depois, ela é hábil em colocar o masculino como elemento transformador, mas não mais do que isso. Eles provocam, mas são elas que tomam as decisões. Em A Melhor Mãe do Mundo esse processo mais uma vez está no centro dos acontecimentos. E se o desfecho parece um tanto ingênuo, até mesmo fantasioso, há de se carregar consigo a imagem de uma mulher que abre mão de tudo em nome desse recomeço. Embaixo do chuveiro, deixando a água correr e levando embora tudo de ruim que foi vivido até então, ela não baixou a cabeça, não aceitou o lugar restrito ao qual queriam condená-la e assumiu o controle dos seus passos. Como mãe, sim, mas também como indivíduo, como batalhadora, como alguém ciente do seu potencial e sabedora de que ainda há muito a ser feito. Um exemplo simples, mas de inquestionável significado.


Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)
- O Ritual - 31 de julho de 2025
- Filhos - 31 de julho de 2025
- A Melhor Mãe do Mundo - 29 de julho de 2025
Deixe um comentário