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Sinopse

Josefel Zanatas, mais conhecido apenas como Zé do Caixão, é um coveiro que aterroriza uma cidade do interior de São Paulo enquanto tenta encontrar a mulher perfeita para perpetuar-se por meio de um herdeiro.

Crítica

Presença de mau agouro, o agente funerário Zé do Caixão (José Mojica Marins) atemoriza quase todos os habitantes de uma cidade interiorana. Trajando suas indefectíveis roupas pretas, esse homem debocha de símbolos sagrados e dias santos, desafiando constantemente os poderes do desconhecido. Comer carne na sexta-feira da paixão é um sinal da sua iconoclastia, da violência com a qual contesta abertamente a superstição de um povo, segundo ele, refém da ignorância. À Meia-Noite Levarei Sua Alma marca a primeira aparição do personagem que se confunde com a noção de terror tupiniquim, dada a sua importância para a história do cinema brasileiro. A feiticeira aconselha os covardes a deixarem a sala antes mesmo de o filme começar. Que fiquem apenas os fortes e aguentem as consequências. Esse diálogo incomum estabelece de imediato um pacto entre realizador e plateia. Há nela, também, uma subjacente e estranha promessa de recompensa aos que permanecerem.

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É preciso ressaltar as muitas qualidades do filme, a despeito dos poucos recursos e da falta de tradição do gênero no país, ainda mais nos idos de 1964. Primeiro, a virulência do protagonista, sua sanha homicida proveniente de algum problema mental ou até de forças sobrenaturais, pouco importa. Zé do Caixão possui um olhar aterrorizante e os modos de alguém que não teme os vivos e nem os mortos. Obcecado pela ideia de ter um filho e, assim, perpetuar sua existência, mata friamente a mulher que o ama, numa sequência angustiante para alguns, em virtude do protagonismo de uma aranha. Incapaz de engravidar, ela se torna fardo, uma pedra no sapato das intenções de Zé. Para ele, virar pai é tornar-se imortal, vencendo, não sem certa dose de trapaça, os imperativos da morte. A atmosfera de À Meia-Noite Levarei Sua Alma é muito bem construída sobre os pilares da tensão e do pavor.

A inventividade do longa-metragem pode ser constatada em diversos elementos, a começar pela maquiagem convincente. Mortos-vivos, vermes que corroem a carne de cadáveres, olhos possuídos por uma força anormal, tudo é muito crível. A expressividade dos cenários é ressaltada pela câmera que os perscruta em busca do potencial terrífico. Se enquanto diretor Mojica demonstra um preciso domínio dos artifícios que suscitam medo na audiência, na condição de ator isso não é diferente. A maneira como Zé do Caixão se movimenta, sempre altivo em meio aos curvados conterrâneos, com o olhar firme e amedrontador, é a base de uma caracterização imprescindível à força dessa figura que assassina quem ameaça seus planos. Em À Meia-Noite Levarei Sua Alma a violência física é precedida de sua equivalente psicológica, o que torna as coisas ainda mais impactantes.

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Zé do Caixão chicoteia colegas de bar, dá cabo do melhor amigo, estupra a mulher a quem elegeu arbitrariamente para gestar seu futuro filho, entre outras formas de brutalidade. Os encontros com a mesma feiticeira que alertara os espectadores no início são carregados de misticismo, embates entre a crença e a descrença. Ela adverte a respeito dos perigos de não ter fé alguma, profetizando um destino trágico no qual Zé do Caixão se confrontará com seus pecados. À Meia-Noite Levarei Sua Alma atinge o ápice de sua criatividade visual na procissão dos mortos, um verdadeiro pesadelo ao protagonista, possível tecnicamente por meio de trucagens de câmera e outros expedientes oriundos da mente fecunda de José Mojica Marins, um desbravador que, com este filme, abriu caminho para a consagração do personagem Zé do Caixão, bem como ajudou a mostrar que era possível fazer terror de muita qualidade no Brasil.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
10
Chico Fireman
7
MÉDIA
8.5

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