Crítica
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Sinopse
Oskar Schindler era um sujeito oportunista, sedutor, simpático, comerciante no mercado negro, mas, acima de tudo, um homem que se relacionava muito bem com o regime nazista, tanto que era membro do Partido Nazista. No entanto, apesar dos seus defeitos, amava o ser humano e assim fez o impossível, a ponto de perder a sua fortuna mas conseguir salvar mais de mil judeus dos campos de concentração.
Crítica
Não seria tolo aquele que afirmasse que Steven Spielberg nasceu para dirigir A Lista de Schindler. Ainda que a ideia inicial fosse de Billy Wilder, este projeto foi crucial para a consagração do diretor de Tubarão (1975) e E.T.: O Extraterrestre (1982) como um realizador sério e de respeito. É curioso perceber que, até este momento, quando estava na ativa por mais de duas décadas, até os próprios colegas em Hollywood já haviam desistido de esperar de Spielberg algo mais do que entretenimento para as massas. Afinal, após cinco indicações ao Oscar – e cinco consecutivas derrotas – ele recebeu o prêmio Irving G. Thalberg, em 1987, pelo conjunto de sua carreira. Nada apontava, portanto, para uma reviravolta desse tamanho em sua carreira. Mas o cineasta tinha mais a entregar, e como vimos nos anos seguintes, aqui foi apenas o começo de uma grande reviravolta. E que guinada!
Quem analisar a filmografia de Steven Spielberg nestes últimos quarenta anos, desde sua estreia com Encurralado (1971), irá perceber uma saudável esquizofrenia. Afinal, para cada produção pretensamente adulta (como A Cor Púrpura, 1985), logo em seguida ele se envolveria em algo de pura diversão (como Os Caçadores da Arca Perdida, 1981, e suas continuações). Tal dicotomia chegou ao seu ápice justamente em 1993, com a realização, quase ao mesmo tempo, de Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, lançado no meio do ano e líder das bilheterias ao redor do mundo, e A Lista de Schindler, que estreou poucos meses depois, a tempo de concorrer aos principais prêmios da temporada. Aquele foi, de fato, o ano de Spielberg: não só foi responsável pelo longa mais visto em todo o planeta, como também assinou o mais premiado. Das 12 indicações recebidas no Oscar, o drama do empresário Oskar Schindler faturou 7 estatuetas, inclusive as de Melhor Filme e Direção, além de outros 60 prêmios e troféus por todo o globo!
A questão que se levanta, quando analisado vinte anos depois, é se tal resultado foi justo ou apenas um entusiasmo momentâneo. E uma revisita a este clássico moderno confirma: A Lista de Schindler é, de fato, um marco, tanto para a carreira de Spielberg quanto para o próprio cinema moderno. Apenas a ousadia de realizar um épico de guerra com mais de três horas de duração e em preto e branco (há poucas exceções em cores, basicamente as primeiras e as últimas cenas) já chama atenção, mas se vai além. A saga do empresário de origem polonesa que vislumbrou no conflito eminente a oportunidade de enriquecer sem muito esforço, apenas se aproveitando do ódio quase irracional dos alemães pelos judeus, e através desse envolvimento descobriu um modo de salvar mais de mil vidas da morte certa, tem todos os elementos para um legítimo conto de fadas moderno: ambição, loucura, violência, redenção, esperança, vitória. E se falta romance, podemos nos ater a dois pontos de vista: na relação entre Schindler e sua esposa, Emilie, e o quanto ela amadurece como reflexo da própria mudança do protagonista, ou no envolvimento dele com seus dois antípodas – o judeu Itzhak Stern e o alemão Amon Goeth. Um é inteligência, discrição e perspicácia. O outro é força bruta, selvageria e insanidade. E Schindler parece perdido entre os dois extremos, num equilíbrio que não conseguirá manter por muito tempo.
Oskar Schindler sai de sua pequena cidade no interior da Polônia determinado a se dar bem na vida. Estamos na metade dos anos 1930 em plena Alemanha, e há pouco a se fazer para aqueles de origem ariana. Acaba filiado ao Partido Nazista e, uma vez próximo dos militares que assumiram o governo, se torna um importante aliado. Mas ele não possui interesses éticos ou étnicos. Seu objetivo é ir atrás de fama e fortuna, independente da forma como irá atingi-las. Com isso em mente, consegue criar uma fábrica do nada, usando a mão de obra judia – a mais barata possível naquele momento – sob a asserção dos nazistas. Aos poucos, no entanto, percebe que seu empreendimento virou também um abrigo, um ponto de refúgio de perseguidos tentando escapar dos campos de concentração e câmaras de gás. Aquele que no início era apenas um aproveitador querendo tirar vantagem de uma situação que lhe era particularmente favorável, aos poucos vai tornando suas ações em um libelo em nome da vida.
Durante esse processo, Schindler encontrará dois importantes homens no seu caminho. Itzhak é um contador que enxerga naquela oportunidade mais do que a chance de um bom negócio, mas a ocasião perfeita para salvar sua pele – e as de tantos mais forem possíveis. Ele é colocado pelo empresário para gerenciar os negócios, e sob sua dissimulada anuência usa desse expediente para abrigar conhecidos em desespero. É ele a verdadeira mente por trás da grande missão que levou o nome de Schindler. Mas para tanto, este precisou também lidar com o ego inflado e a mente psicótica do comandante nazista Goeth, um homem consumido pela própria demência e desprezo pelos outros, que acaba envaidecido pela lábia do novo amigo e termina por se deixar manipular, achando-se no controle de algo que, na verdade, não passava de um jogo para seu suspeito amigo. A maneira como o protagonista lida com um ou com outro revela muito da trama e do que o filme tem a dizer sobre esse incrível episódio.
A aposta de Steven Spielberg em Liam Neeson como o personagem-título foi um risco calculado. Até então um desconhecido do grande público, Neeson já havia trabalhado com diretores como Woody Allen e Sam Raimi, construindo um nome de respeito na indústria. Em A Lista de Schindler ele se apresenta como a estampa perfeita, sem grandes arroubos de originalidade, mas com a pose de galã de ocasião necessária ao papel. Ao seu lado estão um veterano – Ben Kingsley, vencedor do Oscar por Gandhi (1982), compondo um tipo contido e minucioso, bem ao estilo do contador judeu que defende – e um novato – Ralph Fiennes, em um dos seus primeiros trabalhos, oferecendo um olhar insano que cabia perfeitamente ao desconhecido que evaporava por trás de uma figura tristemente real. Aliás, é essa verossimilhança que se destaca de forma assustadora, seja pela fotografia plasticamente perfeita de Janusz Kaminski (vencedor do Oscar por este filme e também por O Resgate do Soldado Ryan, 1998) ou pela trilha sonora absurdamente bem ajustada de John Williams (o quinto dos cinco Oscar já recebidos pelo compositor). Um conjunto exemplar, digno de reconhecimentos incansáveis.
A Lista de Schindler poderia ser o filme sobre o nazista esperto que se tornou santo por acaso. Ou sobre como alguns judeus enganaram um exército nazista para salvar centenas de vidas em meio ao ápice da Segunda Guerra Mundial. E é mesmo sobre tudo isso, mas muito mais. Spielberg não se exime de mostrar o horror e a vergonha de tudo que seu povo – ele próprio é judeu – enfrentou em um dos episódios mais bárbaros do século XX. Schindler tem um propósito, mas seja do alto de uma colina ou ao lado dos oficiais nazistas que buscava ludibriar com suas artimanhas, inevitavelmente acabou percebendo o horror de tudo aquilo ao seu redor, e fez o que pode, como pode. E ainda que incorra em um ou outro sentimentalismo um tanto exacerbado (a sequência final, de despedida do protagonista, foge um pouco do tom geral até então adotado e é um bom exemplo disso), tem-se talvez o longa mais sóbrio e adulto de um realizador acostumado ao mundo da fantasia e da imaginação. Assim como uma menina de vestido vermelho correndo para se salvar em meio a uma realidade cinza e apagada. O destino dela nós sabemos, e poderia ser o de cada um de nós. E por essa coragem, de levar às telas aquilo que muitos preferem virar o rosto, tal mérito não pode ser negado.
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