Crítica
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Sinopse
Um cineasta passa a noite com um jovem por quem se sente atraído. Apesar de seu entendimento de que foi um encontro casual, o parceiro de ocasião acaba revelando um lado passional e possessivo.
Crítica
Se melodrama é uma palavra inerente a Pedro Almodóvar, A Lei do Desejo só serve para confirmar o quanto o cineasta gosta de criar suas tramas tendo este gênero para guia-lo. Fazendo parte da chamada primeira fase do diretor, em que as filmagens e o próprio roteiro eram mais crus, o filme demorou nove anos para ser lançado oficialmente no Brasil. Tudo por causa de uma “homofobia internalizada”, já que as imagens contêm cenas de sexo gay, quase explícitas, e uma violência voraz. Mas, claro que o fato da fita contar com o galã Antonio Banderas, nu em várias cenas e transando com outro homem, motivou a pirataria entre os cinéfilos. Quando o longa chegou por aqui, a maioria já o tinha visto.
Ok, mas qual a trama para causar tanto rebuliço? Hoje em dia pode até parecer simples pela sinopse, mas na época causou polêmica. Os irmãos Pablo (Eusebio Poncela) e Tina (Carmen Maura) vivem à base de suas escolhas sexuais. Ele escreve/dirige peças e filmes de temática gay e namora Juan (Miguel Molina), um rapaz não muito romântico e que parece não correspondê-lo. Já Tina é uma transexual que odeia os homens. Quando seu irmão se envolve com Antonio (Antonio Banderas), mal sabe ele que o rapaz é um louco obsessivo. Pois o jovem persegue Juan e numa briga Pablo perde a memória. Quando volta, descobre que Antonio sequestrou Tina.
A qualidade técnica de A Lei do Desejo pode espantar quem só viu os filmes de Almodóvar dos últimos vinte anos. O que mais importa num filme como este, de visível baixo orçamento e com uma fotografia predominantemente escura, é a língua ferina do cineasta para cutucar toda a sociedade com diálogos impecáveis, além da ironia ímpar, mesmo que possa beirar o vulgar aos mais puritanos. É o retrato de uma Espanha que a gente não vê pelas belezas de Barcelona ou Madri, mas sim dos becos escuros, da sujeira das ruas e, especialmente, de seus personagens, tão humanos que são espelhos do lado de cá da tela.
Para realizar uma obra acima da média, o diretor conta ainda com atores que submergem em seus papeis. Por isso é difícil acreditar que Carmen Maura não é realmente uma transexual ou que Banderas não é um sociopata, por trás do rosto bonito, tão jovem naquela época. Almodóvar usa o físico de seus personagens quase à exaustão, não apenas para incitar a sexualidade que aflora na tela (seja nas cenas de sexo gay ou com Tina quase “transando” com uma mangueira), mas também para colocar todos os seus podres para fora. Afinal, a natureza humana, ainda que dúbia, parece ser muito mais fétida do que limpa para o Almodóvar desta época.
Quando o cineasta insere crime na sua trama, o roteiro toma ainda mais ares daquele cinema noir mesclado com softporn de dona de casa, em que as paixões doentias e extremamente romantizadas batem de frente com a racionalidade dos mistérios que devem ser resolvidos. É só esperar por “Nes me quitte pas” (na voz de Maysa), no meio da sessão, para resumir todo este contexto. Se antes Almodóvar parecia oscilar seu estilo, é a partir daqui que ele configura tudo que perpetuaria por suas obras seguintes, especialmente as transposições de gêneros masculino e feminino, que vão muito além das simples definições de hétero, homo ou transexual. É Almodóvar em estado bruto, pronto pra ser lapidado. Ou seja, uma delícia de assistir.
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