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Sinopse

Ambicioso funcionário de um banco que em pouco tempo se torna responsável por uma carteira milionária, Tom descobre um modo de contornar os regulamentos da instituição a fim de maximizar resultados. No entanto, esse jeitinho começa a sair do controle.

Crítica

Dramas sobre o intrincado mundo das movimentações financeiras e, principalmente, dos seus bastidores repletos de negociatas e histórias do sapo que vira príncipe da noite pro dia não chegam a ser nenhuma novidade. A Grande Fraude, longa de estreia do diretor e roteirista David Preute, portanto, trilha por caminho bastante conhecido. O que teria, enfim, de novo a acrescentar a um universo que muitos poderiam apontar como saturado? Talvez o fato de explorar uma realidade até mesmo frequente neste ambiente, mas de forma sistemática evitada pela mídia majoritária e pouco explorada no âmbito ficcional: o personagem que assume a culpa quando um sistema inteiro é corrompido, como se fosse o único responsável por uma cultura problemática bem mais ampla e perversa. Sob este aspecto, o enredo que aqui se desenvolve ganha ares de revelação e surpresa, tanto por apontar para algo que sempre esteve no meio das discussões a respeito, como também por explorar algo que poucos eram os que se dedicavam com afinco.

Se o título escolhido no Brasil é por demais genérico, o original pode não ser mais específico, mas ainda assim se revela condizente com o fenômeno a ser estudado. Por mais que Rogue Trader não seja particularmente inédito – há, por exemplo, outra produção com o mesmo batismo estrelada por Ewan McGregor (no Brasil, lançada sob o nome de A Fraude, 1999) – sua tradução se confirma certeira: negociador desonesto, às escondidas, que conduz suas tratativas sem o conhecimento dos demais e desprezando as ditas regras do jogo. Ou seja, aquele que age “por debaixo dos panos”. Justamente o papel assumido por Tom Walker, o protagonista deste que acaba sendo, em última instância, um conto moral, por mais que seja baseado em eventos frequentemente observados na vida real. Eis, portanto, o jovem que percorre essa jornada dos sonhos, indo do nada ao tudo, ao mesmo tempo em que faz todo o esforço possível para esconder o que tem sacrificado pelo caminho, principalmente no que diz respeito a sua própria visão das coisas.

Preute, jovem realizador alemão que aos poucos tem se firmado no cenário internacional, busca aqui uma porta de entrada para um estilo de cinema dinâmico e contemporâneo, que se comunique com obras similares vistas em Hollywood e nos demais mercados. A linguagem escolhida flui bem e não se mostra refém dos tecnicismos ou especificidades do meio, o que é um ponto a seu favor. Colabora para esse resultado a acertada escolha de uma narradora, uma estratégia que tanto pode ou não ser vista como um pessoa real, ou um somente um elemento ex machina, que se manifesta quando necessário tanto para comentar as decisões do protagonista, quanto para alertar o espectador em relação as consequências e desdobramentos daquilo há pouco visto em cena. Sua presença funciona também como forma de aproximar o ambiente no qual a ação se passa com o espectador, por menos familiarizado que seja este com tais parâmetros.

Porém, se por um lado há acertos, há de se observar também alguns tropeços do conjunto. E talvez o maior deles seja a escolha de Paulo André Aragão para interpretar o personagem principal. De nome familiar aos brasileiros, este português radicado em Londres se mostra limitado em seus recursos dramáticos, muito em parte pela decisão de restringir ao máximo suas composições faciais: a expressão que assume de cansaço logo no início permanece fixada nele independente dos acontecimentos ao seu redor, seja quando é escolhido para abandonar a função burocrática e convidado a assumir maiores responsabilidades, quando descobre a fórmula para atender as expectativas que nele são depositadas ou mesmo a partir do instante em que o castelo de cartas que tão laboriosamente estruturou vem abaixo, levando junto os esforços de toda uma força de trabalho. Há de se verificar o quão positivo teria sido uma maior atenção ao elenco como um todo, talvez por meio de ensaios ou sessões de preparo, mas nenhum se apresenta mais frágil em sua composição do que justamente aquele no qual todas as atenções se dirigem.

Torna-se evidente durante o curso episódico de sua narrativa que A Grande Fraude é um filme de denúncia, sensação reforçada durante os créditos de encerramento, quando exemplos verídicos de casos similares ao desenhado na ficção são expostos por meio de citações ao redor do planeta. Esta é também a força de um texto que não nega seu parentesco com produções de maior renome e facilmente reconhecidas, que vão desde Wall Street: Poder e Cobiça (1987) até A Grande Aposta (2015), entre tantos outros projetos que partem do mesmo conceito. No entanto, a objetividade do olhar proposto e a dura realidade pelos tipos aqui citados se mostram atrativos suficientes para justificar um interesse renovado pelo tema, que se dessa vez não se basta, também se confirma distante de um suposto esgotamento.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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