Crítica

Representante canadense na busca pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, A Feiticeira da Guerra poderia ser associado a filmes como Hotel Ruanda (2004) e A Rebelião (2011) por tratar de um tema tão caro como as constantes guerras civis em territórios africanos colonizados pela Europa. Porém, muito mais que discutir o aspecto da desigualdade social e da violência em questão, o filme escrito e dirigido por Kim Nguyen prefere buscar o ponto de vista de uma menina que vive os conflitos no cotidiano.

Komona (a novata Rachel Mwanza) foi capturada por rebeldes aos doze anos de idade e forçada a matar seus pais e a servir à causa durante o conflito da República Democrática do Congo. Quando a garota escapa de um tiroteio sem nenhum arranhão e começa a ter visões de espíritos (inclusive dos próprios pais), todos começam a tratá-la como uma feiticeira que tem visões sobre os espíritos que devem guiar ou evitar estratégias de guerra. Ao mesmo tempo, Komona se apaixona por Mágico, um rapaz que a defende dos maus tratos nos campos de treinamento.

O grande trunfo do filme é justamente utilizar a guerra e o misticismo como pano de fundo (afinal, nunca há demasiadas explicações sobre a política em questão ou sobre o que de fato acontece por magia) para contar a história desta menina. Muito mais que uma simples crítica social, trata do resgate, da salvação da inocência mesmo em uma terra tão trágica e desigual. Por mais dura que a guerra civil tenha deixado Komona, a mesma tem uma luta interna para deixar esta vida de lado.

A bebida que causa as alucinações, na verdade, serve como válvula de escape para Komona. É através dela que suas visões aparecem. E elas são apenas um modo da menina expurgar a culpa de ter tirado a vida de seus próprios pais, mesmo que a decisão não tenha sido tomada por ela. Esta culpa é tão profunda que, como foi ensinada pelos rebeldes, ela deve chamar seu rifle de mãe e pai e nunca largá-lo. E quando isto acontece, a garota é tomada por uma intensa cólera e um desespero que é como se ela houvesse perdido seus pais novamente.

Por conta deste imenso trauma, Komona também vive o medo diário de não conseguir amar seu filho que está no ventre (resultado de sua relação com Mágico). Todo o filme é narrado pela garota como se ela contasse à criança em sua barriga o que ocorreu em seus dois anos de luta com os rebeldes. Em um certo momento, ela revela que todos os dias pede a Deus que não jogue seu filho no rio quando ele nascer, tamanha é a repulsa da garota em relação às suas lembranças de guerra.

Rachel Mwanza ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Berlim de 2012 por este interessante e intenso trabalho. Tamanha dedicação em tela é ainda mais surpreendente, pois a garota, assim como todo o elenco, não tem nenhuma experiência no ramo de atuações. São pessoas que viveram conflitos no Congo e acabam mostrando ao público o quão familiares são em relação ao tema com um realismo devastador. Uma excelente direção de atores de Kim Nguyen.

Apesar de não focar tanto na questão política (o que realmente acaba não sendo de extrema relevância perante o roteiro), Nguyen mostra que uma forma dos rebeldes controlarem e, ao mesmo tempo, doutrinarem tantas crianças e adolescentes inquietos é incentivar a violência através do entretenimento. No caso, um filme de Jean Claude Van Damme no meio de uma guerra, atirando e matando todos que vê pela frente. Com um favorito absoluto como Amor (2012) no páreo, A Feiticeira da Guerra pode até não levar o Oscar pra casa. Porém, com certeza vai encontrar e satisfazer um público que reconhece cinema de alta qualidade.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
avatar

Últimos artigos deMatheus Bonez (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *