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Sinopse

Após quase atropelar um jovem, um casal convida-o para velejarem juntos, durante um passeio de final de semana. O rapaz sente-se atraído pela mulher, que começa a provocá-lo de formas sedutoras e inicia-se uma disputa entre o marido e o estranho jovem.

Crítica

Três personagens: um casal e um estranho que surge para provocar distúrbio no até então pacífico relacionamento alheio. Esta mesma estrutura, vista em títulos como Armadilha do Destino (1966) e A Morte e a Donzela (1994), está presente também no trabalho de estreia do diretor Roman Polanski, A Faca na Água, lançado em 1962. Ainda que não tenha obtido a mesma repercussão que muitos dos seus filmes posteriores, este bem sucedido longa inicial apresenta um curioso estudo de personagens, além de ter servido de porta de entrada para um dos mais consagrados cineastas das últimas décadas. Estas três obras, aliás, formam uma informal trilogia apelidada de “ménage-à-trois psicológico”, pois além da constante tensão sexual existente entre os integrantes de cada grupo – que podem, ou não, serem realizadas – há ainda um profundo mergulho no interior destes tipos, com suas motivações sendo reveladas muito lentamente, como uma fruta que é descascada com prazer. Há ganho em cada etapa deste processo, e por isso mesmo que ele não se dá de forma gratuita.

Após atuar por quase uma década apenas como intérprete ou realizando curtas-metragens, Roman Polanski se juntou aos colegas Jakub Goldberg e Jerzy Skolimowski para escreverem, juntos, o roteiro de A Faca na Água, seu primeiro exercício em longa-metragem. A falta de recursos e de experiência é compensada com criatividade e ousadia narrativa, além de uma fotografia bem estruturada, em preto e branco e bastante íntima, cortesia de Jerzy Lipman (que trabalharia, no mesmo ano, ao lado de François Truffaut no coletivo O Amor aos 20 Anos, 1962). Assim, vamos nos aproximado de cada um destes três seres aparentemente plácidos, porém em inevitável rota de colisão. A trilha sonora funcional e a edição marcada pelo desenrolar uniforme da trama contribuem para o envolvimento do espectador com o que se passa em cena.

Andrzej (Leon Niemczyk) e Krystyna (Jolanta Umecka) estão em um carro, em uma estrada praticamente vazia. Pouco se falam, o espaço mínimo ali dentro contrasta fortemente com a vastidão do campo ao redor deles. Não se sabe se são casados, namorados, amantes, amigos, colegas ou irmãos. A primeira interação se dá, no entanto, quando um desconhecido (Zygmunt Malanowicz) surge no caminho, pedindo carona. Após quase ser atropelado e de receber uma reprimenda explosiva por causa disso, surpreendentemente é convidado pelo motorista para seguir caminho com eles. A carona, no entanto, que deveria ser apenas até a próxima parada, acaba se estendendo por todo o dia.

O casal está indo para uma marina, pois planejaram passar o dia velejando. O caroneiro, ainda que a contragosto, aceita o convite para acompanhá-los – ele afirma que não sabe nadar, mas como nada mais urgente lhe chama, concorda com a aventura. A garota, de idade indefinida, certamente está mais próxima da faixa etária do jovem, loiro e atlético, do que do seu par original, um senhor mais maduro. A relação entre os dois homens se dará em etapas. O companheirismo de um primeiro momento logo abre espaço para uma competitividade, e não demorará para que uma tragédia aconteça. É quando surge a questão: “qual o sentido de portar uma arma branca em alto mar?”. Ou seja, quando o cenário está contra, qual proteção poderá salvá-lo, além daquelas que são resguardadas consigo próprio?

Roman Polanski, ainda que tenha enfrentado complicações com seus produtores – ele desejava para si o papel do rapaz, mas não foi aceito por não ser “atraente suficiente” – fez de A Faca na Água um filme que prende a atenção, mais por uma curiosidade a respeito dos personagens do que pela ação em si, que é mais discutida do que praticada. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e vencedor do Prêmio da Crítica no Festival de Veneza, não mantém o mesmo frescor inovador após mais de meio século do seu lançamento, mas contém elementos suficientes para permitir antever o grande cineasta ainda em formação que estava por vir.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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