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Sinopse

Numa pequena comunidade na Calábria, Pio Amato não vê a hora de virar adulto. Aos 14 anos, ele já bebe, fuma e é um dos poucos a circular com facilidade entre os grupos da região: os italianos locais, os refugiados africanos e o grupo de ciganos Romani.

Crítica

O realismo de Ciganos da Ciambra é chocante. Crianças que fumam cigarros. Apartamentos pequenos onde moram famílias formadas por pais e vários filhos. Um clima de miséria permanente que acaba pendendo para o mundo do crime. Se o tráfico de drogas está ao lado e a pobreza impera, como fugir deste estado catastrófico para se manter vivo? Não é uma realidade distante da que vemos no Brasil ou outros países de terceiro mundo. Talvez o choque maior seja por este ser o modus operandi da vida no sul da Itália. E, por manter um aspecto mafioso (longe do glamour de um clã Capone), não é difícil entender porque o projeto tem como produtor executivo ninguém menos que Martin Scorsese. Porém, ao contrário do colega norte-americano, o diretor Jonas Carpignano está menos interessado na grandiosidade dos feitos da família aqui retratada e, sim, na mecânica de suas relações.

Acompanha-se esta trajetória através do olhar de Pio (Pio Amato), um garoto de 14 anos que vive nesta dura realidade onde infância é apenas uma palavra, não uma etapa da vida que ele conhece. Sua rotina é o fumo dentro de casa, mas, principalmente, o aprendizado de pequenos golpes diários para manter o sustento seu e dos parentes. De roubos de carros que acabam sendo revendidos para os próprios donos a outros furtos ocasionais, o adolescente percorre duras etapas de crescimento. E tudo pior quando o pai e o irmão são presos e ele acaba se transformando no verdadeiro ganha-pão de seu lar. E a partir deste acontecimento catártico para o público, mas usual para o menino, começa a se desenvolver um roteiro em que o crime se aprofunda mais e mais na mente e no mundo do protagonista.

É interessante notar que Carpignano, em seu segundo filme, continua mirando seu olhar a quem está à margem da sociedade. Seu primeiro longa-metragem, Mediterranea (2015), acompanhava a vida de refugiados. Aqui, são os ciganos do título e seu cotidiano de nômades é que toma conta da tela. Não há julgamentos morais sobre a família retratada ou sobre o próprio Pio. Num cenário como o explorado na tela, o pouco que se tem e se consegue não é adquirido de forma lícita. A falta de uma "crise de consciência" (se assim podemos chamar) sobre tal aspecto é tão proposital quanto eficiente para retratar quem não tem acesso a uma vida "normal". Não há mocinhos e bandidos sob o olhar do cineasta, mas sobreviventes de uma situação social em que a escapatória é entrar no jogo.

O ar documental que remete diretamente ao neorrealismo italiano é reforçado pela escolha do elenco amador, que se entrega totalmente ao que há na tela. E entre alguns personagens de maior ou menor destaque, é o menino Pio que realmente nos prende, mesmo que seu carisma oscile entre a arrogância e a ingenuidade de um jovem que precisa aprender o que é ser adulto muito antes do que deveria. Não que o mesmo ar realista não possa atrapalhar também o espectador. O excesso de trilha sonora, pulsante a todo minuto, confere um tom mais pesado do que o já necessário para a produção. Se em alguns momentos a tensão das próprias situações vividas por Pio já seriam o suficiente para conferir um ar de urgência à história, este excesso de obscuridade no áudio pode acabar incomodando ouvidos sensíveis.

Nada, é claro, que tire o peso das boas ideias tomadas por Carpignano ao longo de sua narrativa. Como diz o avô do protagonista, "somos nós contra o mundo". É a sensação que temos ao acompanharmos os passos de Pio: um jovem que, por trás de sua impetuosidade, quer conhecer este mesmo mundo, ao mesmo tempo que parece ter a intenção de se afastar cada vez mais da realidade conhecida para se fechar em sua própria bolha. Não é fácil crescer. Porém, não tão difícil quanto ultrapassar certos estágios da vida num ambiente com menos recursos que muitos outros. A vida deste rapaz e sua família é como a de muitos na Itália, na África (não à toa temos um representante africano no filme também), no Brasil ou onde quer que haja pobreza. Pode até causar estranheza, mas sabemos que existem tantos Pios por aí quanto este que vemos na tela. A pergunta que fica é: como mudar isso? Talvez seja impossível, mesmo que absolutamente necessário. Quando se chega ao estágio de miséria extrema, é possível manter o que é considerado moral e correto? Uma questão com múltiplas respostas que, aqui, são exploradas de forma intensa, ainda que dentro dos limites do possível.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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