Crítica


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Sinopse

Eve trabalha como camareira em um hotel de luxo na Cidade do México. Mãe solteira, sonha com uma vida melhor. Para tanto, se inscreve em um programa de educação para adultos. Logo, percebe que nem sempre quem faz o trabalho pesado é recompensado.

Crítica

Em um único plano, Eve (Gabriela Cartol) começa a arrumar um quarto de hotel bastante bagunçado. Ela retira lixo, uma fralda suja, papéis por todos os lados, e só depois de levantar os cobertores, descobre ao lado da cama um senhor idoso caído, dormindo. Este início serve menos a apresentar a protagonista do que a introduzir o procedimento estético que domina todo o projeto: através de imagens longas, muitas delas fixas sobre o tripé, a diretora Lila Avilés mostra a rotina de Eve e seus colegas dentro de um hotel sem nome, ocupado por hóspedes anônimos, tão desumanizados que se confundem com a roupa de cama. Os tons cinzentos, brancos e beges ditam a rotina pouco estimulante de regras e prazos. Mesmo Eve é retratada menos por sua personalidade do que pela responsabilidade específica de que é incumbida – no caso, a limpeza dos quartos no 21º andar.

Felizmente, a diretora jamais permite que a monotonia da personagem se traduza em monotonia estética. Alternando planos fixos com eventuais instantes de câmera na mão, e explorando muito bem os espaços de quartos e corredores através do formato em scope, ela faz questão de registrar lugares iguais por pontos de vista diferentes, permitindo que o espectador se familiarize com o hotel tanto quanto os funcionários. Ao mesmo tempo, os planos se fecham em detalhes e trechos do quarto, de modo a cortar partes do rosto e da identidade dos coadjuvantes. Por este procedimento rígido, transmite a massificação do trabalho braçal: Eve é perfeitamente intercambiável com os colegas de outros andares, embora quanto mais alto for o andar de que se ocupa, maior o salário e o prestígio social do camareiro. Deste modo, o roteiro encontra uma maneira de representar a estratificação social pela estrutura geográfica do hotel.

Outro elemento digno de nota é o fato de a câmera nunca abandonar o estabelecimento. Isso poderia implicar numa construção rasa dos personagens, reduzidos a seu local de trabalho, porém Avilés trata de trazer o mundo para dentro deste espaço único. Aos poucos, sabemos sobre o filho pequeno de Eve, sua casa em más condições (ela prefere tomar banho no vestiário, porque só tem canecas e baldes em casa), a vizinha que cuida do garoto em sua ausência, o interesse amoroso por um faxineiro. Vestida sempre com o uniforme, destinado a torná-la idêntica aos demais, a protagonista se permite desfazer os cabelos, se despir em certo instante, roubar objetos e guardá-los no bolso, e mesmo tomar choques numa brincadeira com amigos, como forma de escapismo. Não há grandes momentos de sobressalto nesta trajetória, ainda que sensibilidade da cineasta permita minúsculos instantes de poesia.

O melhor aspecto de A Camareira se encontra naquilo que ele esconde, ou seja, na representação pela ausência. Enquanto apresenta os quartos repetidos, com sua simetria imposta de travesseiros e cobertores, o filme tem a cabeça em outro lugar: no tempo depois do trabalho, no encontro com o filho, na escapada amorosa. A “invasão” simbólica de Eve em um dos quartos da cobertura retrata bem este aspecto: aquele luxo é inacessível para ela, mesmo enquanto camareira, que sequer tem o direito de arrumar os quartos gigantescos com piscina privativa. Gradativamente, o roteiro permite que pequenos conflitos levem a protagonista à exaustão, seja a disputa por um vestido esquecido nos quartos, a pressão pelo aprendizado dentro da sala de aula ou a advertência por um vaso sanitário mal lavado. Eve começa a perceber que o esforço não importa: ela sempre será tragada por um sistema incapaz de valorizar seu empenho.

Assim, o drama revela seu ponto de vista político através do despertar silencioso de uma mulher de baixa renda sobre sua consciência de classe. Não por acaso, a conclusão reserva a Eve uma escapatória poética. A câmera permite à camareira fugir, primeiro rumo ao teto do edifício, e depois pelas ruas. Nós ficamos presos dentro do hotel, como se a tivéssemos liberado, enfim, pela natureza. Talvez o trabalho minucioso de sugestões seja insuficiente para espectadores acostumados a reviravoltas mais marcadas ou personagens exteriorizadas. Ora, a evolução de Eve é singela, e por esta razão, o gesto banal de soltar os cabelos se transforma numa revolução. Por mais que as imagens sejam bastante realistas, a diretora investe na jornada alegórica de uma mulher semelhante a tantas outras ao seu redor, cujos rostos sequer são incluídos nos enquadramentos. Avilés busca embutir o furor da autodescoberta social numa delicada jornada íntima.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Bruno Carmelo
7
Francisco Carbone
8
MÉDIA
7.5

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