Crítica
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Sinopse
Com dezenas de restaurantes ao redor do mundo e já tendo conquistado 18 estrelas Michelin, o chef Alain Ducasse foi acompanhado por câmeras por dois anos, abrindo seu mundo para mostrar o universo infinito da culinária. Com uma curiosidade inigualável, ele procura novos horizontes para continuar quebrando as barreiras da profissão.
Crítica
O que busca Alain Ducasse? Considerado um dos mais importantes chefs da atualidade, começou sua carreira em 1972, e desde então vem se destacando em praticamente tudo o que faz. Cavaleiro da Legião de Honra da França, seus restaurantes já conquistaram um impressionante número de 18 estrelas Michelin – a principal referência internacional do mundo gastronômico. Atualmente, conduz estabelecimentos em diversos países, de Mônaco ao Japão, da Inglaterra ao Líbano, da Itália ao Qatar, dos Estados Unidos até, é claro, a sua terra natal. Um homem que fez e conquistou em todos os âmbitos a que se dedicou. Reconhecido internacionalmente, o que mais ele pode desejar? Pois é justamente essa dúvida que move o diretor Gilles de Maistre em A Busca do Chef Ducasse, documentário que não só vai ao fundo da questão que propõe, como também conduz seu espectador a um mundo de sabores, delícias e descobertas como poucos outros antes.
Tal mérito se deve, em grande parte, ao seu protagonista. Alain Ducasse concordou em ser acompanhado por Maistre por cerca de dois anos em suas andanças pelos cinco continentes. E é justamente isso que A Busca do Chef Ducasse revela. Ao passar mais tempo em aviões e aeroportos, o filme evita a monotonia visual ao se desdobrar em revelações, proximidades e questionamentos, tal qual o próprio Ducasse pratica no seu dia a dia. Não o vemos em casa, acompanhado da esposa ou dos filhos – sua vida privada é muito bem resguardada. Ao cineasta – e ao personagem centro dessa narrativa – o que interessa é o seu espectro profissional e como um homem que nem mais chega perto dos fogões pode seguir sendo respeitado como um dos maiores da sua área de expertise. O que se vê em cena, portanto, é um exemplo claro de que o que importa não é saber fazer, mas, sim, como e quando colocar em prática tais conhecimentos.
Em uma das primeiras viagens, Maistre acompanha Ducasse até Tóquio. Lá, este é convidado a um programa de televisão, onde prepara um prato bastante singular – uma torta de acelga. Após estas rápidas cenas dele cortando os ingredientes e colocando sua receita em prática, o diretor declara: “esta foi a única vez em que pude ver Ducasse cozinhando”. Isso em quase dois anos juntos. Com mais de quatro décadas de carreira, o chef não tem mais o que mostrar. Seu trabalho, agora, vem antes. Está nos bastidores. Só assim, consegue coordenar tantos restaurantes, apesar da distância entre eles, com tanta maestria. “Está em todos os lugares e, ao mesmo tempo, em nenhum deles”. Esta é sua sina, sua escolha e seu lema de vida. Ele é o maestro, quem define o tom, o gosto, o paladar a ser seguido. Não quer agradar, muito menos ser agradado. Quer confrontar, provocar, estimular. Está sempre atrás do novo, daquilo que ainda não foi provado, do sabor desconhecido. Só assim, em constante movimento, consegue, enfim, se sentir confortável.
O filme de Gilles de Maistre, portanto, se propõe a ser quase um registro de viagem. De Paris para Tóquio, de Londres para Las Vegas, o chef nunca passa muito tempo num mesmo lugar. Pontuando suas andanças, acompanhamos o desenrolar de um projeto ambicioso: a abertura do Ore, um restaurante elaborado para a área restaurada do Palácio de Versalhes, na França. Um lugar de altíssimo nível, ao qual o acesso só é permitido diante reservas antecipadas e destinado a receber reis e rainhas, chefes de estado e celebridades. Enquanto se dedica a este próximo passo, segue na sua verdadeira fome: investir em descobertas, e o mais próximo da fonte, se possível. É por isso que vai até uma criação de esturjões, no interior da China, e também a uma plantação de cacau, no nordeste brasileiro. Seu conhecimento é de raiz, pois sabe que, somente dominando o processo por completo, de uma ponta a outra, poderá, enfim, reinventá-lo.
Essa proximidade, no entanto, se verifica também no olhar de Maistre. Como ele está ali, lado a lado com Ducasse, percebe-se não possuir o distanciamento necessário para exercer uma visão mais crítica sobre o homem que tanto lhe fascina. É palpável o magnetismo que o chef exerce sobre aqueles ao seu redor, seus pupilos e admiradores, assim como ficamos a par do seu trabalho social, auxiliando necessitados e fazendo a diferença, não importa em que parte do mundo esteja. Por outro lado, nada ficamos sabendo das suas controvérsias, contradições e polêmicas. Ambientes em que foi rejeitado – como o restaurante que abriu no País Basco e precisou fechar poucos anos depois, devido aos protestos que enfrentou – ou mesmo sua repatriação como monegasco, renegando sua nacionalidade francesa para evitar taxas e impostos. Elementos que tornariam a mistura ainda mais interessante, ainda que não retire o charme intrínseco a esse conjunto. A Busca do Chef Ducasse, afinal, como o próprio afirma, está em “memorizar os sabores que ainda não provei”. Ou seja, está no por vir, no desconhecido, naquilo a ser revelado. Afinal, como negar o charme de um bom mistério?
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