Crítica
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Sinopse
Depois de ser atacado na rua, um homem decide ter aulas de defesa pessoal. No entanto, ele acaba num mundo sinistro de fraternidade, violência e hipermasculinidade.
Crítica
Existem filmes que se ocupam com o conteúdo, ou seja, com a história que pretendem contar. Outros, por sua vez, parecem mais preocupados com a forma, com o estilo pelo qual irão se debruçar sobre os eventos a serem narrados. A Arte da Autodefesa se alinha sem reservas ao segundo caso. Assim o faz pois parte de um argumento bastante simples – após ser atacado de forma violenta durante um assalto, homem decide se matricular num curso de caratê – para brincar tanto com a narrativa que está se apropriando, como também explorar outros conceitos, desde o uso da mímica até do humor nonsense, passando pelo thriller policial e o drama romântico. Essa falta de foco não apenas dificulta uma melhor apreensão das motivações originais do diretor, mas também termina por sabotar inclusive aquilo que poderia ter sido apontado como diferencial do projeto.
Jesse Eisenberg construiu uma carreira de tipos estranhos e deslocados socialmente – tanto que foi indicado ao Oscar pelo seu retrato do maior exemplo contemporâneo dessa linha de comportamento, o Mark Zuckerberg de A Rede Social (2010). Em A Arte da Autodefesa, ele é Casey, um contador solitário que vive sozinho em um minúsculo apartamento, tendo como companhia apenas um pequeno cãozinho dachshund. Um dia, ao chegar em casa ao anoitecer, descobre não ter armazenada comida para o bichinho, e por isso se vê obrigado a sair novamente para ir até o mercado. A intenção é clara: tem-se como protagonista uma figura tão submissa que até mesmo seu animal de estimação não lhe permite um momento de descanso. Se no trabalho os colegas o ignoram e o chefe o trata com complacência, em casa a situação não é muito diferente – mesmo morando ele sem mais ninguém por perto.
Tudo começa a mudar, no entanto, durante esse saída noturna. Na ida, ele é assediado por motoqueiros misteriosos. Na volta, os mesmos retornam e decidem atacá-lo. Frágil e sem voz, acaba parando no hospital com graves machucados. Mas esse foi também o seu basta. Assim que se recupera, pensa em adquirir um revólver, mas essa ideia se desfaz quando se depara com uma academia de artes marciais nas vizinhanças. Nela, há algumas regras de convivência – como “sapatos não são permitidos no tatame”, “respeite seu oponente” e “armas são para os fracos”. Pois bem, isso é tudo o que ele não pode mais se permitir. Não apenas se matricula, mas demonstra um comprometimento total. E seu mundo começa a entrar em convulsão, se tornando mais agressivo, audacioso e ativo, sem se contentar em apenas receber sem reclamar aquilo que os outros lhe concedem.
Essa transformação, no entanto, não chega a ser construída de maneira gradual. Pelo contrário, se dá de forma abrupta, como se fosse parte do humor hesitante que o cineasta persegue. Esta é uma comédia, afinal, da qual não se chega nunca a dar risadas – no máximo, tímidos sorrisos de canto de boca, marcados por uma ironia que nem sempre acerta nas suas intenções. Mesmo os laços que passam a ser desenvolvidos se revelam óbvios sem muita demora: o instrutor valentão (Alessandro Nivola, repetindo um tipo canalha que não esconde suas intenções escusas) não tardará em deixar claro que o interesse que demonstra pelo novo aluno não é gratuito, assim como a colega (Imogen Poots, resignada a uma expressão de insatisfação e fúria) não terá muito o que fazer além de lhe servir como alvo de desejos e frustrações.
Uma vez que o ambiente profissional é logo descartado e o cenário mais íntimo nunca chega a encontrar a repercussão almejada, caberá ao protagonista apenas reagir ao que lhe é proposto, uma vez que ele nunca chega a propor alterações ao ambiente em que se vê enclausurado. Ao contrário do que é dito pelo roteiro, o ator se vê repetindo justamente aquilo que é atacado pela trama. Assim, A Arte da Autodefesa não se demonstra fraco somente pelas possibilidades perseguidas apenas em parte, mas também diante de um potencial que em nenhum momento é explorado na medida em que se anuncia. E ao trafegar por zonas de absoluto conforto, seja para os atores como também pelo realizador, o filme conforma-se tal qual seus personagens, ao invés de perseguir aquelas mudanças que os mesmos alcançam apenas artificialmente, uma vez que o exemplo é muito mais forte do que os discursos.
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