Crítica


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Sinopse

Ao sofrer uma grande desilusão amorosa depois de aguardar por 45 dias um amor que nunca retornou, o jovem Rafael decide embarcar em uma inesperada viagem. Seu objetivo é ir até três locais diferentes e encontrar amigos que também optaram por abandonar suas vidas por outras razões.

Crítica

O título já engana. Afinal, faz parte de um diálogo voltado diretamente a uma pessoa específica, que por acaso não é o espectador e nem ninguém que chega a ser visto durante a trama. Aliado ao slogan “cinco países, três amigos, um coração quebrado”, a impressão fica ainda mais equivocada. Afinal, 45 Dias Sem Você não compreende sua história no período apontado no nome. Pelo contrário, esse intervalo de tempo se dá antes do início dos acontecimentos. A quantidade de diárias é mais um preciosismo estilístico do que uma necessidade narrativa, portanto. Assim como a afirmação que se refere ao “um coração quebrado”. Basta um pouco de desenvolvimento para o espectador se dar conta de que o foco está mais em uma autoestima abalada do que num amor interrompido. E com tantos problemas logo de partida, fica difícil esperar que as coisas melhorem nos próximos 90 minutos de (falta de) ação.

O curioso é que esse filme marca a estreia no formato do diretor e roteirista Rafael Gomes, que vem dos ótimos – e premiados – curtas Tapa na Pantera (2006) e Relicário (2008), além de ter assinado a edição do sensível Café com Leite (2007) – escolhido como melhor curta-metragem de ficção no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e premiado no Festival de Berlim – e o roteiro do comovente De Onde Eu Te Vejo (2016), um dos últimos longas de Domingos Montagner. Ou seja, quem conhece seus trabalhos anteriores sabe que talento ele tem de sobra. 45 Dias Sem Você, no entanto, parece propositalmente deixar de lado o melhor do realizador – as relações humanas e amorosas – para se envolver numa corrente auto-referencial que mais provoca bocejos do que atenta às boas observações. É um caso legítimo que muito bem se encaixaria no meme white people problems – problemas de gente branca, bem de vida e que não tem mais com o que se preocupar a não ser ficar encontrando incômodo onde nada há além do caso que ela própria está inventando.

Rafael (Rafael de Bona) é um rapaz nos seus vinte e muitos (ou trinta e poucos) anos que não sabe muito bem o que fazer da vida. Sua profissão nunca a chega a se tornar o centro do assunto durante o filme inteiro – e olha que o enredo é quase que inteiramente composto por (muita) conversa. Depois de levar um pé na bunda do namorado que havia conhecido há não muito tempo (ele mesmo afirma, logo no começo, que a relação dos dois “não havia durado de um equinócio a outro”, ou seja, terminou em menos de 6 meses), decide correr para o aeroporto mais próximo e comprar uma passagem “para qualquer lugar, desde que bem longe”. Como não é qualquer pessoa que tem condições para bancar um lugar no próximo voo direto no balcão da companhia aérea, ainda mais para um destino distante, isso é mais do que suficiente para se ter ideia do poder econômico do protagonista.

Primeiro ele vai para Londres, onde encontra Julia (Julia Corrêa). Ela o recebe sem muita paciência para os choramingos dele, mais interessada em animá-lo com festas, novos amigos e outras (possíveis) conquistas. Tanto que, mesmo lamentando o fim do relacionamento – “não quero nem falar o nome dele” – não demora para ele estar aos beijos com um, ou correr para passar o dia em Paris atrás de outro. Depois, acaba indo para a cama com a própria amiga – eles são geração Y, quase millennials, desprendidos, em que ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo, gêneros não mais existem e todos podem ser fluidos quando bem entenderem. Isso até, claro, alguém sair com o coração (ou o orgulho) ferido. Na sequência, vai para Coimbra reencontrar um amigo hétero (que passa o tempo todo querendo dar-lhe banho), e ao ficar apenas uma noite em Lisboa, termina transando com um flerte antigo que, por coincidência, está também por ali. A despedida é sem adeus, e antes de amanhecer já tem seu próximo destino definido: Buenos Aires.

Na capital portenha enfrenta um dos períodos mais longos da jornada, e a convivência com Mayara (Mayara Constantino) – uma ex-colega de faculdade que largou o sonho de ser atriz para ir morar com o namorado argentino – lhe questiona o que, de fato, está buscando: alguém para si, ou ser aquele especial para um outro? E se os 45 dias que ficou esperando por uma promessa de namorado que acabou desistindo dele para retomar uma antiga paixão não foram suficientes para que percebesse o que deveria fazer dali em diante, não foi por falta de aviso – afinal, o recado não poderia ter sido mais claro. Assim, 45 Dias sem Você não fala com ninguém em particular, e nem é feliz em oferecer à audiência um protagonista minimamente interessante. A volta a São Paulo, quando o ciclo se fecha, é menos um recomeço e mais um retomar de onde se havia parado. E sem amadurecimento nem aprendizado, mesmo as inquietações válidas acabam por se perder em um discurso vazio de propósito e carente de significados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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