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Sinopse

O filme 30 Anos Blues tem como protagonistas dois casais de amigos que mudam suas vidas após se reencontrarem em uma reunião da turma da faculdade. São homens e mulheres enfrentando a crise da idade, já não mais tão jovens, mas também sem maturidade que apenas o tempo irá prover. Premiado no Festival de Gramado 2019.

Crítica

A famigerada crise dos trinta anos, com todas as suas frustrações e questionamentos acerca de expectativas não alcançadas, é o que move a trama de 30 Anos Blues, segundo longa-metragem de Andradina Azevedo e Dida Andrade. Dupla que, além da direção, assina também o roteiro e assume os papéis centrais: André (Azevedo) e Diego (Andrade), ambos ex-diretores de cinema que, por motivos diversos, se afastaram da profissão. O primeiro se mostra aparentemente acomodado com o cargo de curador cultural em uma instituição comandada pelo irmão de sua namorada, Júlia (Carol Melgaço), um relacionamento que, por sinal, se mostra desgastado. Já o segundo é apresentado em seu retorno a São Paulo, voltando a morar com os pais, enquanto busca encontrar um novo foco em sua vida, e se reaproximando de uma paixão dos tempos de faculdade, Helena (Julia Ianina).

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Desde a primeira cena, embalada por uma trilha sonora clássica, que traz André e Júlia nus, na cama, discutindo sobre o que teria mudado desde o início de seu relacionamento, nota-se um ruído formal que acompanha quase toda a história. Um choque entre a ambição estética de criação de uma atmosfera erudita e um pretenso naturalismo do discurso, no modo como os atores entregam os diálogos sobre conflitos cotidianos. Essa aura, por vezes pedante, é assumida sem pudores pelos realizadores, que retratam o universo particular da classe média-alta e de seus diferentes nichos, entre eles o artístico, no qual os protagonistas ainda estão mergulhados. O olhar da dupla se volta diretamente para seu meio, trazendo críticas abertas a respeito de falta de liberdade criativa, de real paixão pela arte, etc.

O fato de apresentar uma visão elitista, ainda que esporadicamente busque também o comentário social, tentando se afastar, como se não pertencesse a tal círculo – vide os comentários de André sobre a família da namorada – não representa um problema em si. Mesmo que a posição privilegiada dos personagens possa fazer com que seus infortúnios aparentem ser menos importantes – algo apontado por Júlia – existem, em meio às suas particularidades, tópicos de apelo universal nas angústias ligadas a questões sentimentais ou mesmo profissionais dessas pessoas. Elementos que poderiam facilmente gerar identificação também por parte de quem está fora dessa esfera social. O que realmente dificulta a aproximação são as atitudes dos protagonistas frente às situações que se apresentam. Uma postura arrogante, infantil, narcisista e muitas vezes machista, no tratamento dispensado não apenas às suas companheiras, mas a basicamente a todas as mulheres que cruzam seus caminhos, caso da jovem atriz com quem André se envolve à procura da fantasia que o faça reviver a pulsação de uma aventura adolescente.

Ainda que transmitindo pouca empatia, os personagens até poderiam funcionar como anti-heróis, figuras falhas, mas humanas, talvez encontrando um tipo redenção, algo que, contudo, não ocorre. Quando Júlia responde André dizendo que este parece um personagem, sempre armado com frases prontas e distantes da realidade, ela acaba resumindo a impressão geral passada pelo longa. Pois além da falta de simpatia, André e Diego soam sempre artificiais, algo que se estende ao retrato, beirando a caricatura, que Azevedo e Andrade oferecem dos grupos que compõem o universo criado. Desde as festas underground da classe artística, passando pelo professor de física careta (noivo de Helena) até o ápice no churrasco “hétero top” dos amigos do chefe de Júlia. Por mais que o exagero caricatural possa ser consciente, ele não só destoa da autoimportância dominante até então, incluindo o tom das narrações em off, como ainda não se converte nas possibilidades de provocação, acentuação de um viés crítico, ou mesmo de abertura para uma virada cômica, farsesca.

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O que se impõe sobre a narrativa de 30 Anos Blues é o sentimento de ambição e vaidade, que leva apenas à indiferença em relação aos dramas de seus personagens. A indefinição sobre o que de fato se transfere da ficção para seus realizadores, numa possível autocrítica, também não surte maior efeito. Nem mesmo seu desfecho, tomado pela completa desilusão, quando André e Diego realizam seu rito de passagem – ou qualquer outro simbolismo que possa ser encontrado na sequência, visualmente bela, é verdade, em que atravessam o corredor de artistas performáticos – produz algum impacto. A impressão final é a de que a dupla permanece imutável, com nada levando a crer que tenham amadurecido ou tirado algum aprendizado de tudo o que passaram. Se enxergando como vítimas, incompreendidos, e não constatando o fato de serem os próprios, e únicos, responsáveis por seu fracasso.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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