Matheus Souza, diretor de Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo da minha vida, primeiro longa nacional a ser exibido na competição aqui no 40° Festival de Cinema de Gramado, estava tão nervoso ao subir no palco para apresentar seu filme que anunciou: “mas tudo bem, vou ficar tranquilo, afinal vocês são uns fofos”, referindo-se à plateia. No dia seguinte, durante a coletiva de imprensa com a equipe do internacional 360, ao ser questionado sobre como foi lidar com um elenco tão diferente e impressionante, o cineasta Fernando Meirelles confessou que sua maior preocupação era com o Anthony Hopkins, mas que tudo saiu muito bem “porque ele era um fofo”. Essa fofura toda parece também ser o mote dessa quadragésima edição de um festival que vinha agonizando vergonhosamente nos últimos anos e que agora tem apelado para a simpatia e generosidade dos outros para tentar se levantar novamente.
Gramado começou a chamar a atenção do povo do cinema nacional em 1969, quando realizou a primeira Mostra Nacional de Cinema, ainda como parte da programação da Festa das Hortênsias. Esse encontro teve uma segunda edição, em 1971, e dois anos depois se firmou como um festival de cinema. Nascia, em 1973, o evento que agora completa quarenta anos ininterruptos de atividades, o mais longo nesse sentido do país (Brasília começou antes, mas pulou alguns anos devido ao Governo Militar). E se as comemorações em 2012 não estão à altura da data, ao menos é perceptível o esforço para não fazer feio. Mesmo que nem sempre esse objetivo seja alcançado.
No dia de abertura, sexta-feira 10 de agosto, os dois longas em exibição enfrentaram problemas técnicos. O convidado especial – 360, de Fernando Meirelles, fora de competição – precisou esperar mais de 15 minutos para ter início a sessão devido a um inesperado caso de troca de fase do gerador. O constrangimento tomou conta de todos, ainda mais que tanto Meirelles quanto o diretor da distribuidora do longa no Brasil, a Paris Filmes, estavam presentes. Após essa espera, a projeção finalmente começou. Mas algo ainda estava errado. E essa impressão só fez sentido para quem ouviu o diretor na coletiva do dia seguinte: “vamos rever as cópias na segunda-feira para que o filme possa, de fato, estrear nacionalmente no dia 17, pois o que vimos ontem não foi o que o Adriano Goldman fotografou ou o que eu dirigi. As cores estão erradas, a imagem tá muito lavada. Aquele não era o meu filme”, explicou o realizador de Cidade de Deus (2002).
Depois foi a vez do também já citado Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo da minha vida, que precisou lidar com uma “sonorização” inesperada. Explica-se: no prédio ao lado do Palácio dos Festivais acontecia, simultaneamente à exibição do filme, uma apresentação de música ao vivo. E como o áudio deles era muito alto e o isolamento acústico do cinema é muito fraco, ouvia-se tudo que rolava no ambiente adjacente. Uma das cenas mais dramáticas do longa, por exemplo, se desenrolou ao som de Another brick in the wall, do Pink Floyd. O realizador Matheus Souza, de apenas 24 anos, estava inconsolável após a sessão. “Foi um desrespeito”, comentou.
Os acasos continuaram jogando contra no segundo dia do festival. Artigas: La Redota, de Cesar Charlone, primeiro representante da Mostra Competitiva Latina, veio do Uruguai numa cópia digital que apresentou problemas em sua projeção. No meio do filme a exibição foi interrompida, e após alguns segundos – que para os espectadores pareceram horas – de plena escuridão, a sessão continuou, porém com um retrocesso de uns 5 minutos, obrigando a plateia a rever o que há pouco havia sido exibido. Déjà vu automático! A excelência do novo trabalho do mesmo realizador de O Banheiro do Papa – premiado em Gramado em 2008 – no entanto, diminuiu o desconforto. O que não aconteceu com o longa nacional da noite, Super Nada, de Rubens Rewald, que enfrentou nada menos do que um blackout na cidade! Sim, exatamente isso. Todas as luzes de apagaram novamente, e dessa vez a espera pelo retorno da sessão foi ainda maior. E como o filme fica bastante aquém do que promete, esse contratempo só ajudou a aumentar a sensação de frustração do público.
O Festival de Gramado continuou em sua terceira noite reconhecendo grandes nomes que ajudaram a construir o cinema gaúcho – o cineasta Sergio Silva (Anahy de las Misiones, 1997), o crítico e jornalista Hiron “Goida” Goidanich e o Núcleo de Especiais da RBS TV – premiando os melhores curtas-metragens produzidos no Rio Grande do Sul (cuja seleção foi exibida no Palácio dos Festivais no sábado e no domingo à tarde) e exibindo mais um longa nacional em competição: Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now, de Ninho Moraes e Francisco Cesar Filho. Um documentário bacana, que reflete uma intensa pesquisa sobre o que foi e quais as consequências até hoje do Tropicalismo no Brasil. Muito bem ilustrado e, principalmente, musicado, trouxe seus dois maiores trunfos à Serra Gaúcha: os músicos André Abujamra e Luiz Caldas. Ficar diante do “Rei do Axé”, intérprete da canção-tema de abertura da novela Tieta (1989), é realmente memorável. Momento mais fofo, impossível.
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