Figura emblemática, central aos cristãos, que veem sua morte como ato de purificação dos pecados do homem, Jesus Cristo já foi diversas vezes protagonista no cinema. Retratar o filho de Maria pode ser como fuçar num vespeiro, afinal de contas o que está em jogo não é apenas a fidelidade aos relatos bíblicos, como se poderia esperar de uma cinebiografia convencional, por exemplo. Sua força simbólica aos que creem instaura uma série de cânones, estes que podem ser respeitados como dogmas ou desconstruídos a fim de buscar a essência do humano além da pretensa divindade. Grande diretores já se debruçaram sobre esse mito, não raro em meio a polêmicas, principalmente quando o resultado se localiza fora da curva desenhada com as tintas da fé. Com a recente estreia de Últimos Dias no Deserto (2015), o Papo de Cinema achou por bem vasculhar o baú da produção global para elencar os melhores filmes que, de certa maneira, têm Cristo na proa. Confira nossa lista e comente.

 

 

O Rei dos Reis (King of Kings, 1961)
Cecil B. DeMille já havia lançado um filme com este título em 1927, causando certo furor no público. Afinal, como mexer com a imagem de Cristo? Foram diversos anos sem algum longa-metragem estrelado pelo pregador do catolicismo, muito por medo de retaliações em Hollywood. O mundo sabe o que a abordagem de religiões pode causar. Mais de 35 anos depois, coube ao cineasta Nicholas Ray fazer o remake, com um saldo extremamente positivo. Este não é um longa religioso por si só. Muito menos uma forma de “açucarar” o nascimento e a trajetória de Jesus. Tanto que o protagonista demora mais de meia hora para aparecer. A história nem começa com ele, e sim 60 anos antes da gravidez de Maria. Quando se torna o grande líder que todos conhecem, é o objeto de confronto de romanos e judeus. E a perseguição a esta figura é o que motiva a narrativa, extremamente calcada numa visão política que vai muito além dos dogmas da Bíblia. Acima de tudo, é a primeira vez que Jesus tem um rosto de verdade no cinema. Um clássico, meio envelhecido pelo passar do tempo, mas criado pelas mãos de um diretor que não tinha medo de mexer com uma figura tão amada – e odiada – como Cristo. – por Matheus Bonez

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O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo, 1964)
O melhor filme sobre a vida de Jesus Cristo. A afirmação é do Vaticano, publicada pelo órgão oficial Osservatore Romano. Como é de se imaginar, o jornal da capital do catolicismo entende mais de religião do que de cinema. Neste caso, porém, os louros da interpretação teológica coincidiram com a qualidade de um grande cineasta: Pier Paolo Pasolini. O diretor italiano encenou a trajetória do filho de Nazaré, tendo por referência o evangelho do apóstolo Mateus, considerado um dos mais completos do Novo Testamento. Na tela, Pasolini humaniza Cristo atribuindo-lhe características essencialmente distintas às propagadas pela Igreja. Afinal, para um realizador laico e homossexual, a figura de Jesus dificilmente seria lembrada como retrato de bondade e tolerância. Antes, a imagem do diretor é a de um personagem que se revela severo e genioso. A influência do Neorrealismo se faz presente no preto e branco de contraste suave e no elenco amador. Enrique Irazoqui, de curta carreira, estreia como Cristo e os cidadãos são o povo, pois ninguém interpreta melhor o povo do que ele mesmo. A câmera na mão surge, ainda, como contraponto interessante à composição distante e magnânima, desconstruindo o hermetismo com o qual se costuma tratar o cinema de Pasolini. – por Willian Silveira

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Jesus Cristo Superstar (Jesus Christ Superstar, 1973)
Apesar do personagem de Ted Neely ser ofuscado pela potência vocal do Judas interpretado por Carl Anderson, os últimos sete dias do Messias na Terra são muito bem registrados neste longa, em especial pela ironia, o deboche e a desconstrução do mito do salvador cristão. Neely empresta feições franzinas e corpo esquálido à construção de uma versão hippie da figura divina, mostrando uma faceta verdadeira do profeta que andava entre o povo e fazia valer o discurso dos flagelados, bem diferente do arquétipo empregado pela maioria de seus seguidores que oprimem as minorias atualmente. No musical de Norman Jewison há referências diretas à questão do Vietnã, à revolução sexual e uma crítica contundente à paranoia da polarização entre capitalistas e soviéticos, pendendo mais para o segundo grupo, sendo um filme polêmico especialmente por seu caráter de contracultura. As possíveis heresias são bem menos agressivas que as vistas em A Última Tentação de Cristo (1988), por exemplo, mas ainda assim causaram muito choque e furor nos idos dos anos 70, sobretudo nas plateias mais conservadoras, mas nada que justifique qualquer censura, especialmente porque nele são contadas realidades normalmente ignoradas por esses grupos fanáticos e fundamentalistas que, por sua vez, esquecem o mandamento de amar ao próximo como a si mesmos. – por Filipe Pereira

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A Vida de Brian (Life of Brian, 1979)
Esta realização é constantemente colocada entre as comédias britânicas mais engraçadas de todos os tempos, portanto não precisa de muita introdução. São incontáveis e inesquecíveis gargalhadas, como na sequência protagonizada por Biggus Dickus, nas representações do “atire a primeira pedra quem nunca pecou” ou “eu era cego e agora posso ver!” e, ainda, na inspiradora canção Always Look on the Bright Side of Life. Protagonizado pelo icônico grupo inglês Monty Python, o filme se inicia com os Três Reis Magos chegando na manjedoura errada e incumbindo um jovem ordinário do papel de Messias, ao qual ele é indubitavelmente inadequado. Ainda que o lançamento do filme tenha sido marcado por protestos e boicotes tanto na Grã-Bretanha quanto nos Estados Unidos – majoritariamente por pessoas que sequer o assistiram, já que, para todos os efeitos, Brian não é exatamente Jesus (embora seja), mas seu contemporâneo – os Python se dedicaram a atestar que este filme não era blasfemo, mas inofensivo. A sátira tem como alvo principal o fanatismo religioso e não a religião em si, com piadas que criticam aqueles que seguem pensamentos e comportamentos pré-concebidos ao invés de agir por si próprios. Uma hilária comédia que narra algumas passagens bíblicas como elas nunca foram (ou voltarão a ser) representadas. Imperdível! – por Conrado Heoli

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A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, 1988)
Chega a parecer paradoxal que Martin Scorsese, cineasta de formação católica cujos filmes estão frequentemente mergulhados em valores cristãos (como culpa e expiação dos pecados), tenha sido responsável por esta que é uma das obras mais duramente combatidas pela Igreja Católica na história do cinema. A razão para esse combate está no conteúdo do filme, adaptado do livro homônimo de Nikos Kazantzakis, que traz um Jesus (Willem Dafoe) movido por sentimentos mais humanos, inclusive o amor por uma mulher, Maria Madalena (Barbara Hershey), e o decorrente desejo de constituir família com ela. Como costuma acontecer com atos de pura intolerância contra a arte, tratou-se de uma grande injustiça, já que temos aqui um filme absolutamente fascinado pela figura de seu protagonista. Não há, portanto, qualquer intenção por parte de Scorsese de desrespeitar Cristo, mas apenas de olhá-lo numa perspectiva mais próxima, menos deificada. O resultado é um personagem vivo, poderoso e comovente. Este longa-metragem é, se não a melhor, uma das melhores e mais originais adaptações da história de Jesus Cristo para o cinema. – por Wallace Andrioli

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Jesus de Montreal (Jesus of Montreal, 1989)
Para modernizar a Paixão de Cristo é preciso adicionar humanidade ao mito. Este longa de Denys Arcand confronta os dogmas, mas não a figura central. Nele, um grupo de atores lida com as restrições da diocese para fazer valer uma visão artística repleta de contradições, dúvidas e preocupações existenciais, sem, contudo, macular a imagem de Cristo. Na verdade, escandalizada fica a Igreja quando contradita em qualquer nível, cega diante do trabalho que, de alguma maneira, renova os ideais apregoados pelo profeta, o dito filho de Deus. Portanto, no filme se questionam os fatos, os caminhos, mas se reafirma positivamente a finalidade da doutrina cristã (acredite-se nela ou não). A expulsão dos vendilhões do tempo ganha roupagem contemporânea num confronto com a publicidade e a tentação do demônio surge nas palavras sedutoras do advogado que quer transformar arte em mercadoria. Nesse tocante, mais eficiente é a alusão final à ressurreição por meio dos “milagres” promovidos pelo homem comum. Morte vira vida, não para si, mas ao outro. É como diz um dos atores: “Afinal, a vida é bem simples, só parece insuportável quando pensa unicamente em você mesmo. Se esquecer-se de você, e se perguntar como ajudar os demais, a vida se faz perfeitamente simples”. – por Marcelo Müller

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O Livro da Vida (The Book of Life, 1998)
Numa releitura moderna do Livro do Apocalipse, o diretor e roteirista Hal Hartley imagina a segunda vinda de Jesus Cristo na véspera da virada do milênio, em 31 de dezembro de 1999. Jesus (Martin Donovan) é enviado por Deus pela segunda vez à Terra, agora acompanhado de Maria Madalena (PJ Harvey), para abrir os três últimos dos sete selos que fecham o Livro da Vida, o que daria início ao Juízo Final. Satanás (Thomas Jay Ryan), enquanto isso, vaga entre os mortais que em breve povoarão o Inferno. O Jesus de Hartley se distancia bastante das outras representações do Messias: ele decide se rebelar contra o pai (aqui retratado como o Deus cruel e implacável do Velho Testamento) e desafia suas ordens de acabar com a humanidade. Além da câmera inclinada e perpetuamente em movimento (algo que desorienta constantemente o espectador) e da estética bastante característica da década de 90 – O Livro da Vida, aliás, é reimaginado como um laptop no qual os selos são como ícones da Área de Trabalho -, parte do charme da obra se deve a uma série de debates filosóficos entre Jesus e Satanás, coisas que fazem deste um filme completamente esquisito, mas muito original. – por Marina Paulista

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A Paixão de Cristo (The Passion of Christ, 2004)
Arnold Schwarzenegger certa vez disse, respondendo às críticas sobre a violência das produções que estrelava: “Se um dia adaptassem a história da Bíblia com exatidão, seria o filme mais violento de todos os tempos”. Esta produção polêmica dirigida por Mel Gibson provou que o brutamontes austríaco estava certo. Vemos as últimas doze horas de Cristo como nunca o cinema havia mostrado. As cenas são chocantes e o teor explícito fez com que muitos não conseguissem manter os olhos fixos na tela, desviando a atenção a cada nova investida dos algozes de Jesus. Jim Caviezel é muito competente como o protagonista da história, ainda mais quando sabemos de todas as dificuldades que o ator teve para interpretá-lo. As condições de tempo eram adversas, com o frio castigando o elenco, com Caviezel chegando a sofrer caso de hipotermia; o chicote o atingiu duas vezes, deixando cicatrizes reais; e o aramaico foi utilizado como língua oficial do filme, o que resultou em uma atuação em um idioma estranho a ele. Esses infortúnios parecem ter dado o combustível perfeito para o intérprete realizar um dos retratos mais doídos e extremos sobre Jesus de Nazaré. – por Rodrigo de Oliveira

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Últimos Dias no Deserto (Last Days in the Desert, 2015)
O astro de Trainspotting (1996) talvez fosse o mais improvável dos candidatos a viver Jesus Cristo na tela grande. Mas ele se sai muito bem em sua tarefa. Sob a direção do colombiano Rodrigo García – filho de Gabriel Garcia Marques – Ewan McGregor utiliza com sabedoria os silêncios ao seu redor para ilustrar o que teria vivido, experimentado e refletido o filho do Criador durante os quarenta dias de peregrinação pelo deserto, enquanto se dirigia a Jerusalém. Se a Bíblia é omissa em relação a esse período em específico, aqui temos uma interessante investigação baseada em hipóteses e elucubrações tanto filosóficas quanto de ordem bem práticas, principalmente após o envolvimento do protagonista com uma família movida por três diferentes anseios – a mãe, doente, quer descansar; o pai, obstinado, quer fincar raízes; e o filho, angustiado, quer partir para conquistar o mundo. Da mesma forma, o Cristo que aqui vemos também não sabe o que fazer, mesmo que não esteja perdido. E McGregor, em papel duplo – ele é também a tentação representada pelo Diabo – revela-se o intérprete à altura deste desafio, distante o suficiente para não incorrer em exageros e respeitoso o necessário para compor um ser vívido e real. – por Robledo Milani

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Ben-Hur (Ben-Hur, 2016)
É covardia tentar comparar uma obra vencedora de onze Oscar, que marcou a história do cinema, com esta sua refilmagem moderna. Entretanto, apesar dos 57 anos que separam o Ben-Hur de Charlton Heston desse vivido por Jack Huston, a revisão do livro de Lew Wallace (que já deu origem a outras séries e filmes, inclusive um mudo, anterior ao de 1959) é bem-vinda no quesito ação – conseguindo até mesmo fazer bonito ao refilmar a antológica sequência das bigas. Porém, para quem conhece a história de Gladiador… ops, do judeu que é feito escravo e volta para se vingar de Messala (Toby Kebbell), irmão romano de criação que o mandou para servir nas galés, sabe que ela cruza aqui e ali com a do personagem mais famoso da literatura mundial, Jesus Cristo (aqui vivido por Rodrigo Santoro). Surgindo eventualmente na trama para provar a Ben que existe bondade no mundo dos homens, Jesus tem, na verdade, papel relevante na trajetória da família Hur – e sua participação aqui é mais inchada e determinante que no clássico. Já Santoro consegue a proeza de conceber o personagem de forma ao menos bidimensional, apesar do seu pouco tempo de tela – se aproveitando também da fama prévia do mesmo.  – por Yuri Correa

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