Homofobia. Neologismo formado por dois radicais gregos (homo=igual + phobia=medo). Entende-se por homofóbico aquele que discrimina em função de identidade de gênero e/ou de orientação sexual. Infelizmente, muitas vezes esse preconceito ganha contornos de barbárie. Basta acompanhar os noticiários para ver casos de agressões e linchamentos (físicos e psicológicos) e até assassinatos motivados por homofobia. A lamentar o fato dela não ser citada na nossa constituição como crime, o que é mais fácil de entender, embora nunca de aceitar, quando tomamos ciência da atuação de determinados políticos – vários deles ligados a bancadas religiosas – que absurdamente devem achar homofobia algo natural. Tempos sombrios os nossos. E o cinema nos ajuda a entender isso de maneira mais clara. Por conta da estreia de Sobre Viagens e Amores (2017), no qual temos alguém inicialmente incomodada diante de um relacionamento homoafetivo, decidimos fazer este Top que aborda, especialmente, personagens preconceituosos aprendendo ao longo das tramas a respeitar outrem. Confira.

 

Filadélfia (Philadelphia, 1993)
É normal lembrar prontamente de Tom Hanks, de sua atuação emblemática nesta obra do saudoso Jonathan Demme. Mas Denzel Washington tem uma trajetória igualmente interessante no longa-metragem, embora nem sempre receba o crédito merecido. No começo da década de 1990, a AIDS assustava demais por seu teor desconhecido. Em virtude disso, se criaram alguns mitos que, infelizmente, impactaram a comunidade gay. No filme, Washington vive o advogado Joe Miller, sujeito que tem pavor da palavra AIDS e verdadeira repulsa de homossexuais. Quando conhece Andrew (Hanks), seu colega que precisa de ajuda ao entrar com uma ação contra seus homofóbicos patrões, Miller reluta, mas aceita o caso. A jornada dele, especialmente o respeito que passa a sentir por Andrew no decorrer da trama, é emocionante. Surge uma amizade anteriormente impensável. Numa época em que discussões a respeito de temáticas LGBT não estavam tão em voga, a realização de Demme ousou (ainda que de forma calculada em alguns momentos) para mostrar esse lado da questão a uma grande plateia. – por Rodrigo de Oliveira

 

Melhor é Impossível (As Good as It Gets, 1997)
Nesta premiada comédia de James L. Brooks, Jack Nicholson encontrou um dos mais memoráveis papéis de sua carreira, que lhe valeu seu segundo Oscar de Melhor Ator (num total de três). No longa, ele interpreta o escritor Melvin Udall, sujeito ranzinza, grosseiro e sarcástico que sofre de Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Entre as principais vítimas do mau humor do personagem estão o seu vizinho, Simon (Greg Kinnear), artista plástico gay, e a garçonete Carol (Helen Hunt). Ainda que a dinâmica entre Melvin e Carol seja o mote central do longa, evoluindo para um romance, a relação com Simon também é fundamental para a radical transformação no comportamento do protagonista. A princípio, Melvin demonstra um completo desprezo pelo vizinho, se limitando a fazer piadas preconceituosas sobre sua homossexualidade. Porém, ao ser obrigado a cuidar do cachorro de Simon, quando este é hospitalizado após ser assaltado e agredido, o escritor começa a se aproximar do artista, um laço estreitado ao aceitar levá-lo, junto com Carol, numa viagem para encontrar os pais, em Baltimore. A convivência na estrada, bem como o afeto da garçonete, aos poucos, faz com que Melvin reavalie seu modo de agir e consiga superar seus preconceitos, desenvolvendo uma amizade sincera com Simon. – por Leonardo Ribeiro

 

Será que Ele É? (In & Out, 1997)
Curiosamente, este título só existe por causa de outro filme da nossa lista. Quando Tom Hanks venceu o Oscar por Filadélfia, ele agradeceu a um professor do seu colégio pela inspiração. O roteirista Paul Rudnick achou a premissa interessante. E se, quando um grande astro ganhasse o Oscar, revelasse a todos que seu professor era gay, mesmo que nem o educador soubesse disso? Nesta produção comandada por Frank Oz, é exatamente isso o que vemos. Estrelado por Kevin Kline, Joan Cusack e Tom Selleck, o longa-metragem mostra a homofobia vinda do próprio protagonista, que não enxerga de forma clara sua sexualidade. Grande parte dos vizinhos de sua pequena cidade entra em polvorosa ao saber da informação, querendo confirmar se a mesma é verdade. O problema é que o homem está de casamento marcado e se diz heterossexual. Além da aversão do protagonista pelo assunto, a homofobia é retratada em outros personagens, como no diretor do colégio que não aceita alguém de seu corpo docente revelando ser homossexual. Felizmente, esta é uma comédia leve, de mensagem positiva. Quer algo mais bonito que os alunos dando uma lição de empatia para toda a cidade? – por Rodrigo de Oliveira

 

Billy Elliot (2000)
O clássico embate entre pais e filhos é explicado hoje por teorias como a das Identidades Verticais, baseada no fato de esperarmos que nossos descendentes diretos sejam continuações de nós mesmos. Quando eles não seguem esse padrão, acabam se encaixando em Identidades Horizontais (LGBTQs, deficientes físicos, etc.), gerando, então, um conflito. O mais interessante neste filme de Stephen Daldry, porém, é que, na verdade, Billy (interpretado por um ainda jovem Jamie Bell) não se encaixa em alguma das culturas que o colocariam como diferente do pai e do irmão, mineiros de uma cidadezinha da Inglaterra. Entretanto, ele gosta de dançar, ballet, ainda por cima, e isso é uma característica imediatamente associada ao feminino, ou, no máximo, a homens gays. Logo, torna-se tarefa do pequeno Billy Elliot, nesse contexto tão generificado (homens do trabalho árduo e mulheres e gays que representam a arte), desconstruir os conceitos engessados de ambos os lados, isso enquanto busca o seu sonho de sapatear, saltar e se expressar através da dança. Nesse processo, o pai que sonhava em ter um filho boxeador, acaba por aplaudi-lo da plateia. – por Yuri Correa

 

C.R.A.Z.Y.: Loucos de Amor (C.R.A.Z.Y., 2005)
Se a homofobia é alta em pleno século XXI, imagine entre os anos 70 e 80, ainda mais após o surgimento da AIDS? Nesta pequena obra, o diretor Jean-Marc Vallé coloca um protagonista gay, Zachary, em meio a outros três irmãos e um pai preconceituoso, mesmo que extremamente amoroso com sua prole. O conflito do personagem principal, que não se encaixa nos parâmetros daquela família, conduz a história de forma eficiente e realista. A homofobia aqui não é retratada de maneira agressiva, com xingamentos e brigas físicas. É a sutileza de um simples comentário entre irmãos, como a brincadeira de chamar um ao outro de “viadinho”, que vai fazendo Zachary se afastar cada vez mais deles, especialmente do pai que não sabe como lidar com o filho “diferente”. O título entra na gama de filmes esperançosos sobre o tema, pois o pai de Zachary não quer rejeita-lo, por mais que o preconceito pese em seus pensamentos. Ele tenta de várias formas entender o que se passa. Aí vale aquela lição de que o amor supera tudo. Ao menos, a homofobia dentro de casa. – por Matheus Bonez

 

XXY (2007)
Alex (Inés Efron) se comporta muitas vezes como um animal acuado, arisco ao contato estranho. Também pudera, pois carrega consigo os dois sexos. Ela toma corticoides para a barba não crescer, a fim de que seu corpo mantenha características femininas, embora tenha um pênis. A protagonista se relaciona com um garoto forasteiro. Nesse ponto, a diretora Lucia Puenzo evidencia a dificuldade de enquadrar comportamentos de acordo com o que se espera de um homem e de uma mulher. O pai de Alex, interpretado por Ricardo Darín, é o mais sensível ao drama da filha, aquele que tenta, a todo custo, compreendê-la e defendê-la dos males do entorno. O foco vai se estreitando cada vez mais em Alex e seu pai, deixando os demais personagens num segundo plano, exceção feita ao garoto que se apaixona por Alex, a despeito dos próprios preconceitos, adiante superados em virtude do amor. Darín compõe um homem fracionado entre a dúvida (como ajudar a filha, encaminhando-a à vida adulta?) e a convicção de que ela precisa seguir o caminho que melhor lhe convir. Ele, aliás, é responsável por uma das sequências mais bonitas, na qual diz ter negado a operação da filha logo após seu nascimento, por considera-la perfeita, absolutamente perfeita. – por Marcelo Müller

 

O Primeiro que Disse (Mine Vaganti, 2011)
Colocar um galã como protagonista gay pode até ser comum em Hollywood e, agora, começar a fazer menos barulho no Brasil. Porém, na Itália é algo totalmente fora da curva. Por isso este filme do diretor turco Ferzan Ozpetek sai na frente ao encaixar o bonitão Riccardo Scamarcio como o personagem principal, herdeiro de uma família rica do interior. Partindo de Roma, onde vive tranquilamente seu cotidiano gay com os amigos e o namorado, ele cai na estrada para visitar os pais e o irmão, pronto para se assumir. Porém, é o primogênito que faz isso antes e acaba expulso de casa. Sobra para o protagonista a função de reintegrar o irmão, lidar com o preconceito da família e, acima de tudo, com a própria homofobia interna, já que sua figura heteronormativa sofre risco justamente quando os amigos e o parceiro, bem mais soltos que ele, acabam fazendo uma visita surpresa. Uma comédia dramática com um roteiro tão peculiar que bate na sociedade italiana de forma eficiente, leve, mas não menos profunda, só poderia merecer aplausos de quem assiste. – por Matheus Bonez

 

Tomboy (2011)
Em seu segundo longa-metragem, a diretora francesa Céline Sciamma aborda a questão da identidade de gênero com extrema delicadeza e sob uma perspectiva pouco comum: a infantil. A trama acompanha Laure (Zoé Héran), garota de 10 anos que não segue os padrões das meninas de sua idade: gosta de vestir roupas masculinas, usar cabelos curtos e jogar futebol com os meninos. Ao se mudar com a família para um novo apartamento, Laure conhece Lisa (Jeanne Disson), vizinha que acaba tomando-a por um garoto devido à sua aparência. E, ao ser indagada sobre seu nome, assume a suposição, dizendo se chamar Mickäel. Durante os dois primeiros atos, Sciamma explora o esforço de Laure/Mickäel para manter a nova identidade perante os amigos, apresentando alguns dilemas mais profundos na parte final, envolvendo a percepção da família e da sociedade sobre a situação. Esses conflitos surgem com a mãe, que, após descobrir sobre Mickäel, obriga o jovem transgênero a vestir roupas femininas novamente, e com Lisa que, coagida pelas outras crianças, revela o segredo do protagonista. Ao final, porém, de modo bastante sutil, Sciamma aponta para uma compreensão da mãe sobre a questão, com Mickäel encontrando também um afeto puro na amizade de Lisa. – por Leonardo Ribeiro

 

Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013)
Um caubói do asfalto. Assim pode ser definido Ron Woodroof, protagonista interpretado por Matthew McConaughey que vê sua vida virar de cabeça para baixo após ser diagnosticado com AIDS. O ano era 1985, ainda no início das pesquisas sobre um possível tratamento da doença. Homofóbico assumido, Ron precisa lidar duplamente com o preconceito. O seu e o dos outros. Aos poucos, passa a evoluir seu pensamento e encarar com menos medo os gays que o procuram em busca de medicamentos clandestinos. Um dos responsáveis por essa mudança é Rayon, transexual que passa a trabalhar com Ron no clube de compras. Interpretado por Jared Leto, Rayon é o retrato do que sempre causou asco em Ron. Não sem algumas brigas, o novo amigo vai provar ao protagonista que tudo o que ele tinha como verdade na vida não passa de ignorância, e que sua heterossexualidade simplesmente não o torna melhor. Aliás, Rayon vai abrir os olhos do machão típico para um novo mundo, onde as amizades são definidas por empatia e não pela roupa ou pelo sexo de quem se ama.– por Bianca Zasso

 

De Longe Te Observo (Desde Allá, 2015)
Armando (Alfredo Castro) é um protético relativamente bem estabelecido economicamente nesta coprodução Venezuela/México dirigida por Lorenzo Vigas. Sozinho e soturno, anda pelas ruas de Caracas procurando garotos, a quem paga para “posarem nus”. Entretanto, um desses encontros acaba não saindo muito bem, o que desperta ainda mais o interesse do homem pelo jovem Elder (Luis Silva). Criado sem muito suporte familiar, o adolescente cresceu duro e arisco, não enxergando os desejos de seu novo cativo como algo natural. Porém, a insistente gentileza de Armando, aos poucos, começa a quebrar essa carapaça de Elder que, por sua vez, se vê descobrindo facetas antes reprimidas por sua natureza bruta. E é nesse contraste, marcado por aquilo que impele os desejos de cada um deles (o desafio num e o descobrimento no outro), que o filme de Lorenzo Vigas constrói a sua tão instigante e premiada narrativa – levou para casa o Leão de Ouro do Festival de Veneza de 2015, assim garantindo para a América-Latina o prêmio máximo de um dos principais eventos cinematográficos do mundo. – por Yuri Correa

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