Com o passar da semana, as atividades vão ficando cada vez mais intensas no 45° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Após um início relativamente calmo – as mostras competitivas começaram apenas no segundo dia – atividades paralelas começaram a disputar as atenções dos participantes que por aqui se encontram: jornalistas, críticos, estudantes, cineastas, artistas, pesquisadores. A programação é intensa e começa cedo: às 10h tem início as sessões do Festivalzinho, na Sala Martins Pena, do Teatro Nacional Claudio Santoro, com curtas animados e infantis para escolas agendadas. Algo bacana é que todos os filmes aqui exibidos, assim como os da mostra principal, à noite, são exibidos simultaneamente em diversas cidades satélites: Candangolândia, Ceilândia, Taguatinga, Cruzeiro, Gama, Guará, Riacho Fundo II, Samambaia e Sobradinho, entre outras.
O ponto de encontro de todos no Festival de Brasília é o Bamboo Bar, no segundo andar do Kubitschek Plaza Hotel. Ali funciona o espaço para as entrevistas individuais com as equipes dos filmes, assim como de antessala para os debates com o público, seminários e oficinas. Algumas celebridades que já passaram por aqui foram Maria Fernanda Cândido (que está no júri oficial), Simone Spoladore, Zécarlos Machado, Miguel Thiré, Lúcia Murat, Ney Matogrosso, Sandra Possani, Kátia Tapety, Cao Guimarães e Hermila Guedes, entre outros. O ambiente é informal, e a impressão é de que a praia é logo ali. Mas não, muito pelo contrário: estamos no meio do planalto central, onde qualquer chuvinha passageira coloca o cidadão em polvorosa, como se fosse o dilúvio anunciado.
Quinta-feira, dia 20 de setembro, foi feriado no Rio Grande do Sul, mas no resto do país nada parou – muito menos aqui em Brasília. As mostras competitivas foram marcadas pelos curtas A Guerra dos Gibis (documentário), de Thiago Brandimarte Mendonça e Rafael Terpins, de São Paulo; O Gigante (animação), de Julio Vanzeler e Luís da Matta Almeida, de Santa Catarina; e A Mão que Afaga (ficção), de Gabriela Amaral de Almeida, também de São Paulo. Os três ficaram acima da média que a seleção tem mostrado e possuem boas chances na premiação. O primeiro, que fala sobre a indústria das histórias em quadrinhos eróticas nos anos 1960, é inteligente nos depoimentos e dinâmico na edição, porém cansa pela duração (quase 20 minutos). Já o desenho animado catarinense é poético e bem realizado, com um final inteligente. Por fim há a história de uma telefonista de telemarketing que promove um aniversário bizarro para o único filho. Exibido também no Festival de Gramado 2012 (onde ganhou o Prêmio Especial do Júri), ficou ainda melhor ao ser revisto, ganhando muito pelo acolhimento caloroso do público, o que não aconteceu na Serra Gaúcha.
Os dois longas do quarto dia foram Otto (documentário), de Cao Guimarães, de Minas Gerais; e Boa sorte, meu amor (ficção), de Daniel Aragão, de Pernambuco. O primeiro, de Minas Gerais, está mais para vídeo-arte do que para cinema de fato. Incômodo pelo nada do discurso que carrega ao se contentar mais com as sensações provocadas do que com uma narrativa precisa, dividiu as opiniões, no melhor estilo “ame ou odeie”. Já a história de amor pernambucana impressiona, com tintas que vão de Tarantino ao Cinema Novo, numa visão forte em uma bela fotografia em preto e branco. Trabalho corajoso que mostra um belo futuro para o estreante diretor.
Na sexta-feira os trabalhos exibidos, por outro lado, ficaram aquém das expectativas. Os curtas Empurrando o dia (documentário), de Felipe Chimicatti, Pedro Carvalho e Rafael Bottaro, de Minas Gerais; Valquíria (animação), de Luiz Henrique Marques, também de Minas Gerais; e Eu nunca deveria ter voltado (ficção), de Eduardo Morotó, Marcelo Martins Santiago e Renan Brandão, não cumpriram o que suas sinopses prometiam. O desenho animado é o que consegue se sobressair minimamente ao se inspirar na ópera O Anel dos Nibelungos, de Richard Vagner, e pela beleza da técnica stop motion. Já os dois restantes são tão entediantes quanto as histórias que conduzem.
Por fim tivemos os dois últimos longas de Pernambuco selecionados para essa edição. Doméstica tem direção de Gabriel Mascaro e foi construído a partir dos registros de sete adolescentes, que por uma semana filmaram suas empregadas domésticas durante o trabalho. O resultado provoca e intriga, principalmente pela boa edição. É uma obra que deverá ser lembrada na premiação final. Depois veio o muito aguardado Era uma vez eu, Verônica, terceiro longa-metragem de Marcelo Gomes, após o premiado Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), e o poético Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), co-dirigido por Karim Ainouz. Totalmente construído em cima da personagem defendida por Hermila Guedes, uma médica recém-formada em crise com a profissão, com o namorado e com o pai, que está doente, a história carece de uma maior consistência, apesar de apresentar bons momentos e uma protagonista em plena forma.
Brasília revela emoções diárias. Há encontros com colegas de profissão, novos talentos que surgem a todo instante, artistas consagrados que se aventuram em propostas inéditas, experiências que são somadas e compartilhadas. E há também o inesperado. Como aconteceu no final da tarde da quinta-feira, pouco antes de nos dirigirmos ao Teatro Claudio Santoro, onde acontece a exibição da mostra competitiva. Fomos pegos de surpresa pelo início de incêndio que aconteceu no Kubitscheck Plaza Hotel, acidente que motivou a vinda de bombeiros e ambulâncias. Ninguém saiu ferido, mas serviu para deixar bem claro que por aqui as coisas, realmente, pegam fogo!
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