Na noite de 04 de maio de 2021, o Brasil ficou mais triste. E essa expressão não é mera figura de linguagem. Afinal, foi nessa data que morreu, com apenas 42 anos, um dos maiores humoristas que o país já conheceu: Paulo Gustavo. Campeão absoluto de bilheteria nos cinemas, recordista nos palcos e sucesso há anos na televisão, o ator, diretor e roteirista foi responsável por personagens que se tornaram parte da cultura popular brasileira e ficarão marcados na memória de quem, com eles, muito se divertiu. Não é possível imaginar quantos outros tipos igualmente hilários ele ainda iria gerar, e assim a tristeza aumenta – por tudo que se perdeu, pelo que não mais se tem, por aquilo que foi ceifado tão cedo. Paulo Gustavo deixa os pais, o marido, dois filhos. E milhares de fãs, tanto por aqui, como no exterior. É uma perda gigante, daquelas pelas quais não se é possível se recuperar tão cedo.
Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros largou todos esses sobrenomes e optou apenas pelos nomes próprios, assim como algumas das suas divas – como a cantora Beyoncé, que publicou uma mensagem de lamento pela morte do artista em seu site oficial. Nascido em 30 de outubro de 1978 em Niterói, no Rio de Janeiro, filho de Déa Lúcia Vieira Amaral e Júlio Márcio Monteiro de Barros. Oriundo de uma família de classe média, iguais a tantas outras que se espalham pelo mundo, estudou no Colégio Salesiano e se assumiu homossexual ainda na adolescência. O que poderia ter sido um choque, foi aproveitado de forma criativa. Contando desde cedo com o apoio dos pais e da irmã, se inspirou naquele ambiente familiar para dar vazão ao seu lado artístico. Assim nascia a mais famosa de suas criações: Dona Hermínia, protagonista do monólogo Minha Mãe é uma Peça, declaradamente inspirada na própria mãe. Hermínia era Déa Lúcia. E o contrário também.
Antes, no entanto, Paulo Gustavo precisou se virar, como qualquer ator em início de carreira. Só começou a ganhar visibilidade no final de 2004, aos 26 anos, quando foi chamado para integrar o elenco da peça Surto – já como Dona Hermínia. Em janeiro de 2005, passou a fazer parte de outra peça, Infraturas. Nesse mesmo período, fez suas primeiras participações na televisão: a novela Prova de Amor, da Record, e na série A Diarista, da Rede Globo. Foi só no ano seguinte que Minha Mãe é uma Peça foi, enfim, levada aos palcos, no formato que circulou por mais de uma década. Estando sozinho em cena, com texto de sua autoria, Paulo se tornava Dona Hermínia, construída a partir de suas observações domésticas e experiências vividas, reunindo os aspectos mais cômicos da personalidade de uma típica dona de casa de meia idade, sempre à beira de um ataque de nervos. Pelo trabalho, recebeu uma indicação ao Prêmio Shell – o mais importante do país – como Melhor Ator em Teatro.
O sucesso nos palcos nunca foi abandonado, e se seguiu com Hiperativo, em 2010, dirigido por Fernando Caruso, e por 220 Volts, em 2014. Em simultâneo, foi se tornando cada vez mais frequente na telinha, aparecendo no Sítio do Pica-Pau Amarelo (2007) e em O Fantástico Mundo de Gregório (2012). A relação com o cinema, por sua vez, veio da necessidade do artista em ampliar o alcance do seu trabalho. Depois que fazer uma figuração como o atendente do IML em A Guerra dos Rocha (2008), de Jorge Fernando – que, curiosamente, tinha como protagonista o ator Ary Fontoura interpretando uma personagem feminina, nos mesmos moldes que tornaria Paulo Gustavo um fenômeno nacional – e surgir ao lado da Rainha dos Baixinhos em Xuxa em O Mistério de Feiurinha (2009), teve sua primeira grande chance como Renée, o cabeleireiro confidente da mulher recém-separada vivida por Lília Cabral em Divã (2009). Com o bordão “repica, repica, repica”, se percebeu, enfim, o efeito que poderia ter sobre uma plateia maior.
A prova definitiva veio dois anos depois, quando Minha Mãe é uma Peça: O Filme (2013), adaptação para o cinema da peça, chegou às telas. Além de aparecer à frente do elenco, também fora responsável pelo roteiro. O resultado selou de vez seu nome como um dos artistas mais populares do país: mais de 4,6 milhões de espectadores – foi o filme mais assistido nos cinemas brasileiros naquele ano – e ainda recebeu 3 indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o “Oscar” nacional): Melhor Filme de Comédia, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante (Alexandra Richter). O impacto foi tamanho que gerou duas sequências, todas igualmente campeãs de bilheterias: Minha Mãe é uma Peça 2 (2016), com mais de 9,3 milhões de espectadores (1 milhão apenas no final de semana de estreia), e Minha Mãe é uma Peça 3 (2019), com mais de 11,3 milhões de espectadores! É a maior bilheteria de um longa brasileiro de todos os tempos!
Mas engana-se quem pensar que Paulo Gustavo era sucesso de apenas um personagem. Os Homens são de Marte… e É pra Lá que Eu Vou (2014), da amiga Monica Martelli, marcou a primeira aparição de Aníbal, o melhor amigo da protagonista. Esse levou mais de 1,7 milhão de espectadores aos cinemas, enquanto que a sequência, Minha Vida em Marte (2018), arrecadou mais de dez vezes o orçamento de R$ 8 milhões, alcançando mais de 5,3 milhões de espectadores. Outro tipo marcante foi o vigarista Valdomiro Lacerda Pinto, que depois de aparecer no sitcom Vai Que Cola (2013), chegou aos cinemas em Vai Que Cola: O Filme (2015) – outro fenômeno, que contabilizou mais de 3 milhões de espectadores. Impossível esquecer, por fim, sua rápida participação em Fala Sério, Mãe! (2017), no qual apareceu como ele mesmo ao lado da amiga Ingrid Guimarães – outra produção de peso, que também somou mais de 3 milhões de espectadores.
Paulo Gustavo se casou em 20 de dezembro de 2015 com o dermatologista Thales Bretas. Dois anos depois, o casal tentou a paternidade, através de uma barriga de aluguel, mas os bebês morreram em um aborto espontâneo. Apesar de, na época, anunciar que iriam desistir da ideia, tempos depois voltaram a buscar por outras alternativas. Tanto foi que, em 18 de agosto de 2019 ele e o marido se tornaram pais de Romeu e Gael, de barrigas de aluguel diferentes. Porém, foi pouco o tempo que tiveram para conviverem. Em 13 de março de 2021, o ator foi internado com diagnóstico de Covid-19. Ficou quase dois meses hospitalizado, e por mais que, durante esse período, tenha apresentado dias de melhora, esses logo eram seguidos por outros de piora. Tanto foi que às 21h12min de 04 de maio sua morte foi declarada oficialmente.
Senhora dos Absurdos, Bicha Bichérrima, Ivonete, Iraci Lacerda Pinto, Valdo, Aníbal, Rique, Angel, Beto, o Nerd, Caio Lacaio, Delegado Lupicínio, Renée, Anjo Gabriel, Sem Noção, Mulher de Época, Mulher Feia, Periquita, Dona Hermínia… Paulo Gustavo. Em cada uma dessas figuras, um pouco do artista que encantou milhares, e partiu cedo, muito antes de sua hora, vítima de uma doença sorrateira. Assim, junta-se a uma lista sofrida, todos levados pela mesma pandemia, que inclui João Acaiabe, Nicette Bruno, Eduardo Galvão e tantos outros saudosos talentos. Paulo Gustavo deixará saudades nos palcos, nas telonas e telinhas. Mas seguirá vivo, na memória dos seus fãs e nas risadas que proporcionou a todos esses que tanto delas necessitavam.
FILME IMPRESCINDÍVEL: Minha Mãe é uma Peça: O Filme (2013), o primeiro de uma carreira repleta de sucessos
PRIMEIRO FILME: A Guerra dos Rocha (2008), no qual fez uma ponta como funcionário do IML
ÚLTIMO FILME: Minha Mãe é uma Peça 3 (2019), que foi também seu maior sucesso de bilheteria
FILME ESQUECÍVEL: Xuxa em O Mistério de Feiurinha (2009), de Tizuka Yamasaki, no qual não chega nem a ser um coadjuvante de destaque. Ainda assim, o longa teve 1,1 milhão de espectadores
GUILTY PLEASURE: Vai Que Cola: O Filme (2015), no qual interpreta uma figura muito próxima de quem ele era fora das telas, além de aparecer ao lado de alguns dos seus principais colegas, como Marcus Majella, Cacau Protásio e Samantha Schmütz
FILMES PERDIDOS: Paulo Gustavo tinha dois filmes engatilhados, que foram interrompidos pelo início da pandemia do Covid-19: 220 Volts: O Filme e Agente Especial. Não há confirmação se ambos chegaram a ser filmados ou não.
PAPEL FAVORITO: Dona Hermínia, é claro, estrela maior da trilogia Minha Mãe é uma Peça
PREMIAÇÕES: ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro na categoria de Melhor Roteiro Adaptado por Minha Mãe é uma Peça 2 (2016). Havia concorrido, na mesma categoria, por Minha Mãe é uma Peça: O Filme (2013).
FRASE INESQUECÍVEL: “Diga o quanto você ama a quem você ama. Mas não fica só na declaração, gente. Ame na prática, na ação. Amar é ação. Amar é arte”.
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