Faleceu num sábado, 25 de agosto, uma das últimas grandes estrelas da Era de Ouro de Hollywod. Dama Olivia Mary de Havilland (1916-2020) tinha 104 anos e morava em Paris. Nascida em Tóquio, Japão, em 01º de julho de 1916, era filha de Walter Augustus de Havilland, que na época era professor de Francês e Inglês na Universidade Imperial de Tóquio, e de Lilian Augusta de Havilland, que estudou na Academia Real de Artes Dramáticas, em Londres, e se formou atriz. Essa paixão pela atuação ela passou para as duas filhas – Olivia e Joan Fontaine (1917-2013). As duas são, até hoje, as únicas atrizes irmãs que ambas venceram o Oscar: Olivia em duas ocasiões, por Só Resta Uma Lágrima (1946) e Tarde Demais (1949), e Joan por Suspeita (1941), clássico de Alfred Hitchcock. Elas, no entanto, nunca tiveram um bom relacionamento, e desde a infância viviam implicando uma com a outra. À medida em que iam crescendo, essa rivalidade só aumentou, a ponto de romperem relações em 1975 – e nunca mais se falaram.

Olivia começou a estudar Teatro ainda na escola, e logo após terminar o colegial foi chamada para substituir Gloria Stuart em uma montagem de Sonho de uma noite de verão, do diretor austríaco Max Reinhardt. Em seguida, a Warner o convocou para dirigir seu primeiro filme nos EUA, uma versão cinematográfica da mesma peça. Sem perder tempo, ele ofereceu à De Havilland a oportunidade de reprisar o papel, agora nas telas. E assim ela estreava no cinema. Curiosamente, apesar de ter sido filmado primeiro, foi o último a estrear. Naquele ano de 1935, a novata apareceria em outras três produções, uma delas o sucesso Capitão Blood, que seria o primeiro dos oito filmes que faria ao lado de um dos seus maiores parceiros artísticos, o astro Errol Flynn. Entre esses, estaria também outro campeão de bilheterias: As Aventuras de Robin Hood (1938).

Foi no ano seguinte, no entanto, que apareceria no filme que ficaria para sempre marcado na sua trajetória: E O Vento Levou (1939). No papel da doce Melanie, recebeu sua primeira indicação ao Oscar, como coadjuvante. Ela perdeu, e para uma atriz que faria história: Hattie McDaniel, que concorria pelo mesmo filme e se tornaria a primeira intérprete negra – homem ou mulher – a vencer o prêmio da Academia. Ao todo, De Havilland recebeu cinco indicações ao Oscar – concorreu ainda, sempre como protagonista, por A Porta de Ouro (19410, e por Na Cova da Serpente (1948) –  além de três vezes ao Globo de Ouro (ganhou por Tarde Demais, como Melhor Atriz em Cinema, e pela minissérie Anastácia: O Mistério de Ana, 1986, como Melhor Atriz Coadjuvante em produção de televisão), uma ao Emmy (também por Anastácia: O Mistério de Ana) e, pelo citado Na Cova da Serpente (1948), foi premiada no Festival de Veneza e no National Board of Review.

Ao ser homenageada na cerimônia do Oscar 2003

No início dos anos 1940, Olivia passou a exigir da Warner Bros. personagens mais desafiadores, além da “mocinha em perigo” a que parecia ser destinada. Como resultado, o Estúdio lhe deu uma suspensão de seis meses, durante o qual ficou sem trabalhar – e a proibição foi estendida a convites de outros estúdios, também. Furiosa, ela processou a Warner, o que estendeu seu período no ostracismo. O resultado, no entanto, valeu a pena. Em uma decisão que entrou para a história, a Corte decidiu que não apenas Olivia não teria que compensar o estúdio pelo tempo em que esteve parada, mas que a partir daquele momento nenhum ator ou atriz poderia ter um contrato com qualquer companhia por mais de sete anos. Tal julgamento se tornou conhecido como “a Lei De Havilland”, e desde então os estúdios não poderiam mais tratar seus artistas como propriedades, passando a ouvi-los em suas escolhas de carreira.

A rixa com a irmã Joan Fontaine vinha desde a juventude de ambas. Olivia, até por ser mais velha, foi a primeira a se tornar atriz. Quando Joan decidiu seguir pelo mesmo caminho, no entanto, a mãe a proibiu de usar o sobrenome da família, e por isso a caçula a acusou de proteger a mais velha. Os desentendimentos entre elas, no entanto, haviam começado muito antes, quando, na infância, Olivia teria rasgado um vestido de Joan, forçando-a a costurá-lo novamente. Anos depois, quando as duas foram indicadas juntas ao Oscar, em 1942, a vencedora foi Fontaine. Quando foi anunciada a vitória dessa, De Havilland se levantou para cumprimentar a irmã, mas essa passou reto por ela, esnobando sua tentativa de aproximação. Anos mais tarde, em 1947, quando foi a vez de Olivia ganhar sua primeira estatueta, Joan fez um comentário desabonador em relação ao cunhado em uma entrevista. A estrela de Só Resta Uma Lágrima (1946), ofendida, se recusou a receber os cumprimentos da irmã. Elas seguiram suas vidas afastadas, ainda que, ocasionalmente, tivessem que cruzar uma com a outra em situações públicas. Em 1975, porém, quando a mãe de ambas faleceu, Olivia se recusou a convidar a irmã para os serviços fúnebres, e tal atitude foi determinante para não mais se falarem. De Havilland declarou, muitos anos depois, que tentou se aproximar da irmã posteriormente, mas que Fontaine lhe respondia, através de suas assistentes, “estar ocupada demais para atendê-la”.

As irmãs Olivia de Havilland (à esquerda) e Joan Fontaine (à direita)

Olivia De Havilland seguiu como uma estrela de primeira grandeza em Hollywood até meados dos anos 1970, quando os trabalhos de destaque na tela grande começaram a se tornar cada vez mais raros. Mesmo assim, seguiu atuando na televisão durante toda a década seguinte, e atuou pela última vez no telefilme A Mulher Que Ele Amou (1988). Apesar de nunca ter namorado Errol Flynn (algo que as colunas de fofoca adoravam cogitar), teve relacionamentos com outros astros, como o ator James Stewart e o cineasta John Huston. Casamento, no entanto, teve dois, com o escritor Marcus Goodrich, entre 1946 e 1953, e com o jornalista Pierre Galante, entre 1955 e 1979. Ela teve um filho com cada um dos seus maridos: o menino Benjamin, nascido em 1949 e falecido em 1991, após uma longa batalha contra um linfoma de Hodgkin, com o primeiro, e a menina Gisele, nascida em 1956. De Havilland e Galante, apesar de divorciados, permaneceram amigos até os últimos dias dele. Ela foi responsável por cuidar dele até sua morte, também em Paris, vítima de um câncer de pulmão. Esse foi o motivo para a ausência dela na cerimônia de comemoração dos 70 anos do Oscar, em 1998. Cinco anos depois, esteve no 75º aniversário do Oscar, ao lado de outras lendas de Hollywood, como Kirk Douglas, Luise Rainer e Jennifer Jones.

Em 2004 participou de um especial em comemoração aos 65 anos de lançamento de E O Vento Levou, em 2006 foi na homenagem ao seu 90º aniversário promovido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Los Angeles, e em 2008, aos 92 anos, recebeu a Medalha Nacional das Artes, a maior honra conferida a um artista individual em nome do povo dos Estados Unidos, que lhe foi entregue pelo então presidente norte-americano, George W. Bush. Dois anos depois, recebeu do presidente francês, Nicolas Sarkozy, a mais alta condecoração da França, a Legião da Honra. Em fevereiro de 2011, foi convidada especial da premiação do César, em Paris. Apresentada pela presidente da cerimônia, a atriz Jodie Foster, e foi longa e fortemente aplaudida em pé. Mesmo com mais de 100 anos, não deixou de abater. Na ocasião do seu centésimo aniversário, em 1º de julho de 2016, declarou “estar disposta a chegar aos 110”. Era, até então, a mais antiga vencedora do Oscar ainda viva. Em 18 de junho de 2017, foi anunciada como uma das homenageadas da Rainha Elizabeth II, que a agraciou com a Excelentíssima Ordem do Império Britânico, condecorando-a com o título de Dama do Império Britânico, pelo serviço prestado às Artes – se tornando a mulher mais velha a receber essa condecoração. Em resposta, De Havilland afirmou que este fora “o mais gratificante de todos os presentes de aniversário”.

Ao completar 100 anos

Um dia antes de comemorar 101 anos, entrou com uma ação judicial contra a série Feud (2017), pelo uso indevido da sua imagem, invasão de privacidade, enriquecimento ilícito e danos morais. No programa, criado por Ryan Murphy, ela era interpretada pela também vencedora do Oscar Catherine Zeta-Jones, e a trama retratava a rivalidade entre as estrelas Bette Davis e Joan Crawford. Olivia de Havilland e Bette Davis foram grandes amigas em vida, tendo atuado juntas em cinco filmes. No recente seriado, no entanto, por assumir um formato documental em certas passagens, a personagem De Havilland (Zeta-Jones) fala direto para a câmera, em declarações que soavam como verdadeiras a respeito da amizade das duas. Olivia afirmou que, apesar de não ter visto o programa – e nem ter interesse nisso – nada do que lhe foi relatado era verdade e, portanto, tudo que era exibido a seu respeito não passava de mentira. Ela declarou ainda que era oposto a qualquer tipo de representação de pessoas falecidas, já que estas não podem refutar incidentes e passagens com os quais seus nomes estivessem envolvidos, ainda que de modo ficcional.

Olivia de Havilland faleceu em sua casa, na França, onde morava há mais de 40 anos. Estava acompanhada da filha, Gisele. Ao longo de sua carreira foram mais de 60 filmes e séries, além de dezenas de prêmios e indicações por seus trabalhos, além de outros feitos históricos – em 1965, por exemplo, foi a primeira mulher a ser convidada a presidir o júri no Festival de Cannes. Era dona de uma estrela na Calçada da Fama, em Los Angeles, desde 08 de fevereiro de 1960, na Hollywood Boulevard, 6762.

Hattie McDaniel, Olivia de Havilland e Vivien Leigh, em …E O Vento Levou

FILME IMPRESCINDÍVEL: …E O Vento Levou (1939), é claro. Um dos maiores clássicos da história do cinema, vencedor de 8 Oscars (inclusive Melhor Filme) e, em valores reajustados, a maior bilheteria de todos os tempos. Segundo dados de 2012, seu faturamento total seria de US$ 4,4 bilhões!

PRIMEIRO FILME: O primeiro a ser filmado foi Sonho de uma Noite de Verão (1935), mas o primeiro a estrear foi Esfarrapando Desculpas (1935)

ÚLTIMO FILME: O último a ser exibido nos cinemas foi O Quinto Mosqueteiro (1979), e o último em que atuou foi em A Mulher que Ele Amou (1988), uma produção para a televisão.

PREMIAÇÕES: Cinco vezes indicada ao Oscar, ganhou por Só Resta Uma Lágrima (1946) e por Tarde Demais (1949). Três vezes indicada ao Globo de Ouro, ganhou por Tarde Demais (1949) e por Anastácia: O Mistério de Ana (1986). Por Na Cova da Serpente (1948), ganhou o Festival de Veneza e o National Board of Review, além de ter sido também indicada ao Oscar. Além disso, foi a Melhor Atriz do ano pelos críticos de Nova Iorque por Na Cova da Serpente (1948) e por Tarde Demais (1949).

FILME ESQUECÍVEL: Apesar de ter recusado o papel de Lisolette Mueller em Inferno na Torre (1974), que ficou com Jennifer Jones, não conseguiu fugir de todos os filmes-catástrofe que se tornaram febre nos anos 1970, e participou de Aeroporto 77 (1977), que apesar de ter recebido duas indicações ao Oscar – Figurino e Direção de Arte – e ser estrelado também por nomes como Jack Lemmon (que declarou que ter aceito esse convite foi um dos maiores erros de sua carreira) e Christopher Lee (que só aceitou pela oportunidade de atuar com… Jack Lemmon!), foi introduzido no Hall da Vergonha das Framboesas de Ouro em 1983.

GUILTY PLEASURE: Com a Maldade na Alma (1964), papel que aceitou por insistência da amiga Bette Davis. “Não posso dizer que me arrependo, pois foi muito divertido trabalhar com Bette. Mas também não é um filme pelo qual tenho orgulho em ter na minha filmografia”, declarou anos depois.

FILMES PERDIDOS: Uma Rua Chamada Pecado (1951). Ela foi convidada para o papel de Blanche DuBois (que rendeu um Oscar para Vivien Leigh), e recusou alegando que “uma dama não diz nem faz certas coisas em cena”. Em 2006, no entanto, em uma entrevista, voltou ao assunto, afirmando que na época havia recém dado à luz ao seu primeiro filho, e que por isso não tinha condições, na época, de se identificar com o material. Recusou também o papel de Mary Hatch Bailey em A Felicidade Não Se Compra (1946), que ficou com Donna Reed. Foi considerada ainda para ser a protagonista de Alma em Suplício (1945), que rendeu o Oscar para Joan Crawford.

RECORDE: Ela detém o recorde da premiada “que mais agradeceu a outras pessoas em seu discurso de vitória no Oscar”. Ao ser escolhida Melhor Atriz do ano por Só Resta Uma Lágrima (1946), ela agradeceu a nada menos do que 27 pessoas diferentes!

FRASE INESQUECÍVEL: “É curioso que Melanie, minha personagem em E O Vento Levou, seja a única do quarteto de protagonistas que morre no filme… e eu, por outro lado, não vou morrer. Não morri até hoje, e não tenho planos para isso”.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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