Sempre à procura de um papel diferente, de um personagem que o desafiasse de alguma forma, Heath Ledger construiu sua carreira surpreendendo a cada nova escolha. Não foi à toa que no dia 22 de janeiro de 2008, quando o mundo recebeu em choque a notícia de sua morte, muitos choraram não apenas pela perda de um rapaz tão jovem, mas por saber que nunca mais seria possível ver o que aquele talentoso artista australiano poderia fazer no seu próximo trabalho. Com apenas 28 anos, Ledger deixava esse mundo com uma filmografia não muito extensa, mas inversamente proporcional em qualidade.

Nascido em 4 de abril de 1979 em Perth, Austrália, Heath Andrew Ledger começou os passos para as artes cênicas logo jovem. Aos 10 anos, já encarnava Peter Pan em peças de colégio. Com timidez extrema, que o perseguiu a vida toda, ele realmente se abria no palco. Quando teve de escolher entre culinária e teatro – uma das duas disciplinas optativas no ensino médio – resolveu arriscar e partir para o drama, arte que seguiu até o final de sua vida.

Na Austrália, tentou a sorte em Sidney ainda adolescente, conseguindo papeis em seriados de tevê. Clowning Around (1992) foi sua primeira oportunidade, em uma breve e não creditada participação. Depois, interpretou um ciclista gay na série Ship to Shore (1993-1994). Ledger desejava pegar papéis diversos, nunca ficando preso a um estereótipo, tentando surpreender as pessoas com suas escolhas. Depois de outros papéis na tevê, sua primeira grande chance no cinema foi em Blackrock (1997), longa-metragem selecionado para o Festival de Sundance. Ainda participou de uma aventura familiar em Paws (1997), quando finalmente chegava a hora de abandonar sua terra natal e apostar em Hollywood.

Em 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999), Heath Ledger vivia o rapaz durão, o tipo silencioso e perigoso, que se apaixonava pela protagonista da história e se transformava – e ela, da mesma forma. As meninas logo reconheceram naquele australiano um rapaz interessante e, para ele, virar um astro querido pela sua beleza era facílimo. Bastava seguir com algumas comédias românticas, posar para algumas capas de revistas e o seu destino como partidor de corações estava selado. Mas isso estava longe dos seus objetivos. O ator queria ser levado a sério como intérprete, o que deixou claro logo em seguida ao participar como o corajoso filho de Mel Gibson em O Patriota (2000). Ainda que aquela produção não seja necessariamente ímpar em qualidade, colocou Ledger novamente na boca dos cinéfilos – quantos não clamaram por um novo Mad Max com o ator vivendo o filho de Gibson? Os dois conterrâneos jamais trabalharam juntos de novo, mas a ideia era lembrada constantemente na primeira década dos anos 2000.

Em Coração de Cavaleiro (2001), Ledger encabeçou seu primeiro grande filme em Hollywood. Com trilha sonora modernosa e ambientação medieval, o longa-metragem não chegou a estourar, estreando em segundo lugar nas bilheterias e perdendo força nas semanas seguintes. Talvez este tipo de pretenso blockbuster não fosse mesmo seu estilo. Até porque, logo depois, o ator impressionaria com sua pungente interpretação coadjuvante em A Última Ceia (2001), no qual vivia o filho de Billy Bob Thornton, com quem não tinha boa relação. O filme pode ser mais lembrado por ter dado o primeiro (e até agora único) Oscar a Halle Berry, mas Ledger, mesmo com papel pequeno, chamava a atenção.

Nos dois anos seguintes, Heath Ledger passearia por algumas produções menos memoráveis, emplacando como protagonista, mas sem o sucesso esperado. São desta época filmes como Honra e Coragem (2002), Ned Kelly (2003) e Devorador de Pecados (2003). Após participação em Os Reis de Dogtown (2005), o ator trabalharia ao lado de Matt Damon em um filme que tinha tudo para dar certo: Os Irmãos Grimm (2005). Com direção de Terry Gilliam, a aventura recontava de forma bastante livre os famosos contos dos Grimm, com seus autores como principais figuras da trama. Infelizmente, o público norte-americano não foi aos cinemas conferir esta fábula, que mal conseguiu se pagar, mesmo com bilheteria mais expressiva do resto do mundo. Naquele momento, ele vivia um período complicado na carreira. Será que aquela promessa que surgiu em 10 Coisas que eu Odeio em Você não iria se cumprir?

Eis que surge Ang Lee, oferecendo a Ledger um papel desafiador. Despindo-se de qualquer clichê de filmes de cowboy, o cineasta taiwanês propôs contar a história da paixão entre dois vaqueiros no Wyoming, e mandou o script para o jovem talento. Impulsionado por sua namorada na época, Naomi Watts, e por ter achado o roteiro incrível, Ledger logo aceitou o papel, mesmo que pensasse não ser maduro o suficiente para encarnar aquele cowboy com justiça. Ledo engano. Sua atuação em O Segredo de Brokeback Mountain (2006) ao lado de Jake Gyllenhaal finalmente mostrou a todos o alcance dramático do seu talento, o colocando na lista dos melhores do ano, sendo indicado ao Oscar e abrindo caminho para outros papéis interessantes.

Foi nesta época que o seu romance com a atriz Michelle Williams começou. Os dois tiveram uma filha juntos, Matilda, que nasceu em 2005. Jake Gyllenhaal, seu par em Brokeback Mountain, foi padrinho da criança. Casanova (2005) e Candy (2006) complementavam a filmografia de Heath Ledger, que chegou a dar uma parada no trabalho para cuidar de sua filha. Em 2007, mais um papel inesquecível: uma das encarnações de Bob Dylan na cinebiografia pouco ortodoxa comandada por Todd Haynes, Não Estou Lá. Ledger dividiu o papel com outros seis atores (incluindo uma oscarizada Cate Blanchett) e foi um dos destaques do filme, o último dos seus trabalhos lançado em vida.

Em 2007, a internet ficou em polvorosa com a notícia de que Heath Ledger encarnaria o palhaço do crime Coringa na esperada continuação de Batman Begins (2005), Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), dirigida por Christopher Nolan. Muitos internautas apontavam que o ator não conseguiria fazer sombra ao que Jack Nicholson havia feito com o personagem no Batman (1989) de Tim Burton. E como eles estavam enganados. O ator australiano deu tudo de si em uma atuação incontrolavelmente anárquica, mostrando toda a periculosidade daquele instável personagem dos quadrinhos. Infelizmente, ele não pode ver o resultado nas telas. Cinco meses antes da estreia, por uma mistura perigosa de remédios prescritos, Heath Ledger foi encontrado morto em seu apartamento. A overdose acidental decretou o final da vida de um talento que começava a colher os frutos de seu trabalho.

Pela sua performance em Batman: O Cavaleiro das Trevas, recebeu virtualmente todos os prêmios aos quais foi indicado. Venceu Oscar, Globo de Ouro, BAFTA, Critic’s Choice Awards, e todo e qualquer tipo de louro imaginável. Inacabado, seu último filme lançado foi O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus, dirigido novamente por Terry Gilliam. Para resolver a ausência do seu protagonista, o diretor convocou Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell para preencher a lacuna, vivendo o personagem naquele universo fantasioso.

É difícil imaginar o que Heath Ledger estaria fazendo hoje caso não tivesse nos deixado tão cedo. Provável que estivesse dirigindo seus filmes, já apresentando sua vontade de trabalhar atrás das câmeras em videoclipes assinados por ele. Talvez pudesse ter aceito outros papéis desafiadores, como tantos outros que já havia feito. Ou estaria curtindo sua paternidade ao lado da filha Matilda. O que é certo é que no dia 22 de janeiro de 2008, perdemos um jovem e inestimável talento. Daqueles que até hoje sentimos falta ao assistirmos aos seus filmes.

Filmes imprescindíveis: O Segredo de Brokeback Mountain e Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008). Interpretações que lhe valeram indicações e, no caso de Batman, todos os principais prêmios do cinema;

Primeiro filme: Blackrock (1997);

Último filme: O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (2008), incompleto, mas lançado com inclusão de outros atores concluindo sua performance;

Seu filme favorito: Ainda que não tenha assistido a versão finalizada, dizia em entrevistas que o Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas era o personagem que mais havia gostado de fazer;

Guilty pleasure: 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999). Transformar Shakespeare em uma comédia adolescente nunca foi uma ideia tão boa;

Papel perdido: Foi convidado pelos irmãos Coen para Onde os Fracos não têm vez (2007), papel que acabou ficando com Josh Brolin, mas preferiu tirar um período de folga para ficar com a filha. Também quase participou de A Árvore da Vida (2011), mas desistiu do papel;

Oscar: Foi indicado como Melhor Ator por O Segredo de Brokeback Mountain e venceu na categoria Melhor Ator Coadjuvante por Batman: O Cavaleiro das Trevas. Foi o segundo ator a receber o prêmio de atuação postumamente – o primeiro foi Peter Finch, por Rede de Intrigas (1976);

Frase inesquecível: “Why so Serious? Let’s put a smile on that face!” (Porque tão sério?Vamos colocar um sorriso neste rosto), Coringa, em Batman: O cavaleiro das Trevas.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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