Fundador da Nouvelle Vague, crítico de cinema, diretor e roteirista humano como poucos. Palavras são poucas para descrever tudo o que François Truffaut representa na história não apenas do cinema francês, mas de toda a sétima arte.  Em quase 25 de anos, realizou 26 filmes. Uma paixão que vinha desde a infância, pois começou a ver filmes aos sete anos, em 1939. Desde então, suas idas às salas se tornaram cada vez mais frequentes. Aos 15 anos já fundaria seu primeiro cineclube que, como consequência, o faria conhecer o crítico André Bazin, seu grande amigo e uma espécie de pai adotivo.

Já em 1953, com apenas 21 anos, Truffaut publicou sua primeira crítica na estimada Les Cahiers Du Cinema. A partir daí começaria a defender o que ele e seus colegas (Jean-Luc Godard entre eles) chamariam de “cinema de autor”. O francês teria como referência principal Alfred Hitchcock, que impunha sua marca em todos os seus filmes. Dois anos depois, já estrearia seu primeiro curta-metragem, Une Visite.

Quatro anos mais tarde e outro curta no meio do caminho, Truffaut lançaria seu primeiro longa-metragem, o sucesso de público e crítica Os Incompreendidos (1959), talvez um dos mais autobiográficos do autor, já que ele remonta dramas de sua infância, o deslocamento, as brigas com os pais e a negação das figuras de autoridade. Truffaut levou o prêmio de melhor diretor do Festival de Cannes e foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original, elevando o nome do francês às alturas e revelando o que era a Nouvelle Vague para o mundo.

No entanto, seu segundo filme, Atirem no Pianista (1960), foi considerado o fim do movimento. Obviamente, ele não se deu por vencido e, dois anos depois, lançou aquela que seria considerada sua obra-prima até hoje, Jules e Jim: Uma Mulher para Dois (1962). O longa inclusive inspirou Bernardo Bertolucci anos depois em Os Sonhadores (2003). Foi também durante as filmagens que o cineasta teve um caso com sua protagonista, Jeanne Moreau, atriz que estrelaria alguns de seus projetos seguintes. Isto é o de menos. O interessante é que Truffaut realizaria um filme que era um reflexo da juventude de uma época e que permanece atual até os dias de hoje.

Ainda que o longa de 1962 seja considerado o divisor de águas de sua carreira, talvez o mais conhecido do grande público seja Fahrenheit 451 (1966), obra que adapta o clássico de ficção científica de Ray Bradbury sobre uma sociedade totalitária futurista, onde os livros foram banidos. O longa foi o primeiro colorido do francês, único falado em inglês, e recebeu uma indicação ao BAFTA e outra no Festival de Veneza.

Após uma série de entrevistas com um de seus ídolos, Hitchcock (que inclusive virou obra literária, uma das mais marcantes sobre as visões dos dois cineastas), Truffaut realizou A Noiva Estava de Preto (1968), mais uma vez com Jeanne Moreau, obra noir sobre uma mulher que busca vingança matando todos os homens com quem se envolve. A adaptação foi de um conto de William Irish, mesmo escritor de Janela Indiscreta (1954), do mestre do suspense. O autor o inspiraria mais uma vez no thriller A Sereia do Mississipi (1969), com uma bela Catherine Deneuve no papel de uma golpista que é perseguida por seu marido obcecadamente apaixonado. Mesmo com sucesso de público, nenhum dos dois filmes teve críticas entusiasmadas na época.

Foi nesta época também que Truffaut e Godard “romperam relações”. O primeiro era acusado pelo segundo de fazer uma cinema “mais comercial”. Polêmicas à parte, nos anos 1970 Truffaut já era considerado um diretor que teria “perdido a mão”, apesar de seus sucessos já citados e de realizar vários filmes com o mesmo personagem, seu alterego Antoine Donel (sempre interpretado por Jean Pierre Léaud). Entre os longas, o divertido Domicílo Conjugal (1970), que pode não ser o filme mais inspirado do cineasta, mas mantinha sua essência. Isto até 1973.

Foi neste ano que Truffaut “daria a volta por cima” (não que precisasse), sendo indicado ao Oscar por Melhor Direção e Melhor Roteiro, além de ter ganho o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro por A Noite Americana, um de seus melhores longas. Com metalinguagem apurada, a mistura de ficção e realidade sobre a produção de um filme é uma carta de amor do francês aquilo que ele mais prezava: o próprio cinema. Ainda assim, demoraria mais quatro anos para voltar a ser ovacionado por todos.

Quando lançou O Homem que Amava as Mulheres (1977) foi aplaudido pela história de Bertrand Morane, um mulherengo que não conseguia se dedicar a apenas uma paixão. Em 1979, Amor em fuga decretava o fim da história de Antoine Doinel. Um de seus últimos filmes, O Último Metrô (1980), acabou sendo um de seus mais premiados, vencendo dez categorias no César e ganhando uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O último trabalho de Truffaut foi De repente num domingo (1983), sobre uma mulher que ajuda um homem acusado injustamente de assassinato.

No mesmo ano, nascia sua terceira filha, Joséphine Truffaut, fruto do relacionamento com a atriz Fanny Ardant. Foi também quando descobriu que estava com câncer no cérebro após várias vezes queixar-se de dores de cabeça. Ainda tentou fazer uma autobiografia, mas não houve tempo. Em 21 de outubro de 1984, François Truffaut faleceu vítima de um tumor cerebral. No entanto, sua obra inspira até hoje outros grandes nomes do cinema como Steven Spielberg, Quentin Tarantino, Brian De Palma e Martin Scorsese, além, é claro, dos cinéfilos que realmente amam a sétima arte.

Filme imprescindível: Jules e Jim: Uma Mulher para Dois (1962)

Filme esquecível: O Quarto Verde (1978)

Maior sucesso de bilheteria: Ainda que não haja dados oficiais, há quem diga que foi A Noite Americana (1973), um de seus filmes mais conhecidos nos EUA

Primeiro filme: Os Incompreendidos (1959)

Último filme: De Repente Num Domingo (1983)

Guilty pleasure: Domicílio Conjugal (1970), uma de suas obras “menores”

Filmes perdidos: O cineasta foi cogitado para dirigir Bonnie & Clyde (1967) e recusou uma proposta da Warner Bros para refilmar Casablanca em 1973.

Oscar: Indicado como Melhor Diretor por A Noite Americana, filme pelo qual também foi lembrado na categoria de Melhor Roteiro Original. Pelo mesmo longa, recebeu a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Por Os Incompreendidos, foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original. Dois de seus outros filmes foram lembrados na categoria de filme estrangeiro: Beijos Proibidos (1968) e O Último Metrô (1980).

Frase inesquecível: “Eu sempre preferi o reflexo da vida à própria vida.”

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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