Robert Altman é quase que um inventor do gênero de filmes com várias histórias e personagens que se entrelaçam nas telas ao longo de quase duas horas. A maioria de seus longas é construída desta maneira. Seja do clássico Nashville (1975) ao bobinho Dr. T e as Mulheres (2000), passando pelo incrível Short Cuts: Cenas da Vida (1993) ao seu derradeiro e belo trabalho, o musical A Última Noite (2006). O fato é que Altman sempre usava algum cenário, cidade ou tema como pano de fundo para explorar o comportamento das pessoas na sociedade – e fora dela.

Infelizmente, o cineasta, indicado a sete Oscars, faleceu em 2006, mesmo ano em que recebeu o prêmio honorário da Academia em reconhecimento ao seu trabalho. Se estivesse vivo, Altman completaria 89 anos no dia 20 de fevereiro de 2014. Para homenagear uma carreira tão recheada de méritos, a equipe do Papo de Cinema lembrou de cinco de seus melhores filmes – e aquele que, mesmo ignorado, merece uma segunda chance.

 

M.A.S.H. (MASH, 1970)
Por Marcelo Müller

Só mesmo um cara muito corajoso, ou louco, poderia fazer piada sobre a guerra com uma ainda em curso. Foi basicamente o que fez Robert Altman em M.A.S.H., sátira brilhante passada basicamente nas entranhas (sic) de um hospital móvel do exército, isso enquanto ainda se desdobrava na realidade a Guerra do Vietnã. Como era de se esperar, a unidade médica é uma das que mais trabalha, pois feridos chegam a todo o momento, os recursos são poucos, enfim, difícil imaginar um lugar mais caótico do que esses hospitais de campanha. Pois bem, por isso o filme de Altman é genial, por pegar todo esse potencial de tensão e solenidade e transformá-lo num instrumento satírico com inconfundível viés antibelicista. Os médicos recorrem ao álcool, a mulheres, expondo sua rebeldia em pleno campo de batalha em meio a mortos e gente que agoniza, não por incompetência deles, mas por total falta de estrutura. É isso, Altman extrai graça de onde menos se espera, fazendo rir de maneira inteligente e com boas pitadas de reflexão. Como dito no início, é preciso ser um bocado ousado ou maluco para fazer isso, sobretudo de maneira tão brilhante.

 

Três Mulheres (3 Women, 1977)
Por Renato Cabral

Vencedora do prêmio de Melhor Atriz em Cannes, para Shelley Duvall, esta produção de Robert Altman foi ignorada pela Academia, o Oscar, em 1978, porém vem sendo resgatada cada vez mais com o passar dos anos. Pinky (Sissy Spacek) é uma estranha garota que começa a trabalhar em um spa na Califórnia. Ficando muito próxima de Millie (Duvall), futura colega de quarto, as duas acabam indo parar em um bar, gerenciado por uma artista grávida (Janice Rule) e é quando, após algumas crises emocionais, as três decidem roubar e trocar de personalidade, com o intuito de alcançar uma estabilidade que procuram. Surrealista, Três Mulheres é, como o título induz, o filme mais feminino da carreira de Altman, ao expor três personagens complexas em três grandes performances. A produção virou inclusive referência para David Lynch e seu Cidade dos Sonhos (2001).

 

O Jogador (The Player, 1992)
Por Rodrigo de Oliveira

Iniciando com um incrível plano-sequência de oito minutos e com uma irresistível metalinguagem sobre o fazer cinema, O Jogador é um dos trabalhos mais interessantes do sempre competente Robert Altman. Fazendo um mergulho na implacável e ególatra Hollywood, o cineasta faz uma relevante – e ainda atual – crítica ao modelo mental dos profissionais da Meca do cinema. Na figura do produtor egocêntrico Griffin Mill, interpretado por Tim Robbins, Altman mostra as armadilhas e os pequenos segredos sujos que existem nos bastidores da grande indústria. Isso, claro, com muito humor negro. Recheando o filme com participações especiais de astros e estrelas, O Jogador tem como destaque a sexy performance de Greta Scacchi como uma artista plástica, que serve como única figura “normal” da história, e Richard E. Grant interpretando um roteirista cheio de escrúpulos para com sua obra, mas que acaba mudando de ideia até o desfecho da história. Tirando sarro dos finais felizes do cinema norte-americano – e, até por isso, incluindo um em sua trama – Altman chegou a ser indicado ao Oscar por seu roteiro e direção, mas ficou de mãos abanando. Talvez os membros da Academia não viram com bons olhos as ácidas críticas do cineasta ao modus operandi hollywoodiano.

 

Short Cuts: Cenas da Vida (Short Cuts, 1993)
Por Thomás Boeira

Em um de seus trabalhos mais conhecidos, Robert Altman pegou um grande elenco e o inseriu em uma série de histórias que fazem um recorte interessante da vida de algumas pessoas em Los Angeles. Entre vários núcleos narrativos temos, por exemplo, os pais desesperados pelo filho que sofreu um acidente, dois casais que se conhecem em um concerto e resolvem se encontrar em uma noite, além de um limpador de piscinas que não é feliz com o fato de sua esposa trabalhar como atendente de tele-sexo, sendo que todos eles acabam se conectando de alguma forma. Ao longo das três horas de duração (que, aliás, passam rápido), vemos um filme conduzido com grande inteligência por seu diretor, com histórias que não caem no simples melodrama e ainda trazem ótimas atuações. A estrutura de Short Cuts deu tão certo que acabou influenciando produções subsequentes, como os excelentes Magnólia (1999) e Crash: No Limite (2005). O filme rendeu a Altman sua quarta indicação ao Oscar de Melhor Diretor.

 

Assassinato em Gosford Park (Gosford Park, 2001)
Por Yuri Correa

Uma espécie de Clue bem misturada com boas doses de etiqueta britânica, Assassinato em Gosford Park descortina os bastidores da criadagem e das relações entre seus amos durante uma reunião na propriedade do riquíssimo Senhor William, interpretado por Michael Gambon; que é apenas um entre os nomes ilustres presentes no elenco do longa. Estão lá Maggie Smith, Helen Mirren (ambas indicadas a Melhor Atriz Coadjuvante por seus papeis aqui), Bob Balaban, Clive Owen, Stephen Fry, Kelly Macdonald e Emily Watson. Acontece de haver um assassinato, vários suspeitos, etc. Um suspense muito tradicional que, casualmente, aproveita para comentar as tradicionais regras de comportamento de cada indivíduo dentro da hierarquia daquela convenção. Posições sociais que nenhum dos personagens parece respeitar. Um amo tem relações com as cozinheiras, um valete seduz a esposa do anfitrião, uma condessa pede dinheiro emprestado, há críticas feitas durante o jantar, nem mesmo os próprios empregados se respeitam entre si, embora sejam todos da mesma classe. Antes de um suspense eficiente, Robert Altman cria aqui um estudo interessantíssimo desta pequena sociedade e suas interações.

 

+1

Prêt-à-Porter (1994)
Por Matheus Bonez

Fato: na época de seu lançamento, poucos entenderam esta crítica ácida e bem humorada de Robert Altman ao mundo fashion. Pode ter sido por ser, justamente, seu filme posterior ao elogiadíssimo Short Cut: Cenas da Vida (1993) – quanto mais expectativa, maior a queda. Ou pelo simples fato de praticamente ninguém ter escolhido este tema antes para tentar ir mais a fundo. Nem as indicações ao Globo do Ouro ou o prêmio de melhor elenco pelo National Board of Review foram capazes de fazer o longa virar sucesso. O que interessa é que Altman, de um modo mais descontraído e sem grandes ambições, explora a futilidade dos bastidores da moda, seja dos créditos iniciais em russo (que não querem dizer nada além disso mesmo) aos seus personagens, tão preocupados com marcas e afins – a repórter interpretada por Kim Basinger não poderia ser mais clichê e verdadeira. Tudo bem que o roteiro não é dos mais coesos da carreira do cineasta e muitos personagens podem não dizer porque estão ali. Ainda assim, um Altman menor é melhor que muita porcaria que invade as telas todo ano. E só este motivo basta para dar a Prêt-à-Porter uma revisão.

 

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