A câmera do cineasta Douglas Soares perscruta as areias cariocas em busca de corpos apolíneos, mimetizando cinematograficamente o itinerário laboral/pessoal do fotógrafo Alair Gomes, conhecido, entre outras coisas, por possuir uma obra homoerótica de viés voyeurístico. Fotografado num preto e branco que aprecia e, de certa maneira, reconfigura o corpo dos modelos conforme um imaginário impregnado de desejo, o filme permite contato com o legado do artista que serviu de inspiração ao filme, com o acréscimo da visão particular do cineasta, esta oxigenada por uma montagem absolutamente imprescindível à atmosfera que se instaura. Douglas insere narrações que tratam de corporificar Alair, de dramatizar possíveis encontros, inclusive sexuais, com os garotos que posaram, deliberadamente ou não, para a objetiva. Surgem na tela relatos de uma sexualidade aflorada, evidenciada mais frontalmente pelo registro dos pênis, sejam eles eretos ou não, e uma valorização do nu masculino enquanto meio de expressão, tanto artística como sexualmente falando. Os corpos dos homens em cena obedecem a certo padrão de beleza, pois essencialmente atléticos, o que os aproxima das esculturas greco-romanas. Nesse percurso alinhado a uma ideia de fruição sensorial, Douglas escancara o que não deveria ser dissimulado, exatamente a vontade de observar, o impulso de olhar atentamente e, se possível, de investigar os objetos de suas paixões.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.