A cineasta Juliana Rojas ambienta este curta-metragem nos anos 80, mais especificamente no momento em que o cometa Halley passou pela Terra. Sua vontade é falar sobre aborto, tema polêmico, aqui enfrentado com sutileza e sensibilidade. Uma mulher chega à clínica clandestina em busca do procedimento criminalizado. A marginalidade atrelada à prática torna ainda mais denso o trauma dessa mulher, feita espelho de tantas outras. É um filme de dois ambientes, em que a escuridão dos espaços, dirimida por uma luminosidade fraca – afinal de contas, não se pode chamar atenção –, dá o tom da solenidade brutal dos não ditos. O curta é feito a partir do olhar feminino e de seus diversos prismas dentro da situação proposta. Juliana é mais conhecida por utilizar em seu cinema os signos do horror a fim de mencionar questões muito urgentes do cotidiano. Aqui, porém, ela se vale de um itinerário mais intimista, embora o sangue esteja presente (na cena da paciente sangrando aos borbotões por conta de práticas abortivas desesperadas), mas dentro de um itinerário menos aferrado aos cânones do gênero. A passagem do cometa marca a troca de ciclos. Passado em 1986, o filme debate questões ainda mal resolvidas em nossa sociedade. Essa significação traz consigo um gosto amargo, de que não evoluímos muito e, talvez, nem cresçamos substancialmente enquanto civilização até a nova visita do Halley.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.